SENTENÇA. PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL. OBJETIVANDO CANCELAMENTO DO REGISTRO JUNTO AO CRA. CARGO PERTINENTE AO ADMINISTRADOR. PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES.

 S E N T E N Ç A

 

Trata-se de demanda, pelo procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, no qual a parte autora requer o cancelamento de registro no Conselho Regional de Administração – CRA/SP e que sejam declaradas inexigíveis cobranças posteriores ao pedido administrativo de cancelamento. O pedido de tutela é para o mesmo fim.

O feito foi inicialmente distribuído perante a 3ª Vara Federal de São José dos Campos, que declinou da competência (ID 350754739).

A tutela provisória de urgência foi indeferida e determinada a apresentação de declaração de hipossuficiência (ID 354490711), cujo cumprimento deu-se no ID 356807704.

Citado, o Conselho Regional de Administração de São Paulo – CRA/SP contestou. No mérito, pugnou pela improcedência (ID 363468431).

Réplica apresentada (ID 365154381).

Instadas a se manifestarem sobre o interesse na produção de provas, por meio de ato ordinatório (ID 365177060), as partes informaram não ter outras provas a produzir (IDs 368044459 e 369251205).

 

É a síntese do necessário.

Fundamento e decido.

 

O pedido comporta julgamento antecipado, pois conquanto existam questões de direito e de fato, as atinentes a este estão comprovadas por meio dos documentos constantes dos autos, nos termos do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil.

Defiro o benefício da gratuidade da justiça à parte autora para as custas e despesas processuais, com base no artigo 98 do Código de Processo Civil.

Passo a sentenciar o feito, nos termos do artigo 12, caput, do Código de Processo Civil.

Sem preliminares para análise, presentes os pressupostos processuais, bem como as condições da ação e com a observância das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República), passo ao exame de mérito.

 

O pedido é improcedente.

 

Dispõe o artigo 1º da Lei nº 6.839/80:

 

Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.

 

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “o critério legal para obrigatoriedade de registro em conselho profissional é determinado pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados” (AgRg no AREsp 607.817/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13.5.2015).

A Lei n.º 4.769/65, de 09.09.1965, regula o exercício da profissão de técnico em administração e estabelece:

 

Art 2º A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante:

a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;

b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e contrôle dos trabalhos nos campos da administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que êsses se desdobrem ou aos quais sejam conexos;

Art 3º O exercício da profissão de Técnico de Administração é privativo:

a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Empresas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos termos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

 

De acordo com o artigo 15 da referida lei, os profissionais só poderão exercer a função após o registro no Conselho Regional:

 

Art 15. Serão obrigatoriamente registrados nos C.R.T.A. as emprêsas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades do Técnico de Administração, enunciadas nos têrmos desta Lei.

 

A denominação da categoria profissional e seu respectivo conselho foi alterada pelo artigo 1º da Lei n.º 7.321/1985:

 

Art. 1º – O Conselho Federal de Técnicos de Administração e os Conselhos Regionais de Técnicos de Administração passam a denominar se Conselho Federal de Administração e Conselhos Regionais de Administração, respectivamente.

Parágrafo único. Fica alterada, para Administrador, a denominação da categoria profissional de Técnico de Administração.

 

No caso em tela, a parte autora solicitou o cancelamento de seu registro no CRA/SP, o qual foi indeferido pelo Conselho Profissional (ID 349123489), por entender que a referida exerce atividade privativa de administrador. 

Contudo, a declaração emitida pelo empregador atesta que o demandante realiza “o gerenciamento proativo de novos projetos, fornecimento de suporte essencial com planilhas, dados e controles, atualização regular de arquivos de controle, elaboração de relatórios mensais, condução de follow-up eficiente e implementação de controle de projetos”, sendo também “encarregado do monitoramento contínuo, introdução de melhorias e limpeza de dados, bem como a automação de processos” (ID 349123484).

Tais funções encontram-se descritas no art. 3º do Decreto n.º 61.934/67 como sendo privativas do profissional de administração:

Art 3º A atividade profissional do Técnico de Administração, como profissão, liberal ou não, compreende:

a) elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens e laudos, em que se exija a aplicação de conhecimentos inerentes as técnicas de organização;

b) pesquisas, estudos, análises, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e contrôle dos trabalhos nos campos de administração geral, como administração e seleção de pessoal, organização, análise métodos e programas de trabalho, orçamento, administração de matéria e financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais bem como outros campos em que êstes se desdobrem ou com os quais sejam conexos;

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que, após a Lei n.º 12.514/2011, o fato gerador da contribuição anual é o registro, ainda que não exercida, efetivamente, a profissão pelo inscrito:

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CONSELHO PROFISSIONAL. ANUIDADE. FATO GERADOR. REGISTRO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 1.022 do CPC quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, as questões que lhe são submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que, a partir da vigência da Lei n. 12.514/2011, o fato gerador dos tributos em exame é o registro no Conselho, e não o efetivo exercício profissional. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.371.861/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 15/3/2024.)

 

Ademais, a parte ré não se enquadra no conceito de associação trazido pelo art. 5º, XX da Constituição Federal, o qual dispõe que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado“, visto que são autarquias em regime especial, com personalidade jurídica de direito público.

Como autarquia, a parte ré é uma extensão do Poder Público incumbida, por lei, de fiscalizar a atuação dos profissionais a ela vinculados, o que afasta a facultatividade do vínculo em caso de profissões regulamentadas.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já fixou a seguinte tese:

“As anuidades devidas aos conselhos profissionais constituem contribuição de interesse das categorias profissionais, de natureza tributária, sujeita a lançamento de ofício” (Julgados: REsp 1788488/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 08/04/2019, jurisprudência em teses, edição nº 135).

 

De igual forma, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 647.885, assentou que as anuidades cobradas pelos conselhos profissionais se constituem em contribuição de interesse de categoria profissional, possuindo, portanto, natureza jurídica de tributo, o que demonstra o caráter obrigatório do vínculo ora discutido:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB. SANÇÃO. SUSPENSÃO. INTERDITO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL.
INFRAÇÃO DISCIPLINAR. ANUIDADE OU CONTRIBUIÇÃO ANUAL. INADIMPLÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA DE TRIBUTO. CONTRIBUIÇÃO DE INTERESSE DE CATEGORIA PROFISSIONAL. SANÇÃO POLÍTICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. LEI 8.906/1994. ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que as anuidades cobradas pelos conselhos profissionais caracterizam-se como tributos da espécie contribuições de interesse das categorias profissionais, nos termos do art. 149 da Constituição da República. Precedentes: MS 21.797, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 18.05.2001; e ADI 4.697, de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 30.03.2017.
2. As sanções políticas consistem em restrições estatais no exercício da atividade tributante que culminam por inviabilizar injustificadamente o exercício pleno de atividade econômica ou profissional pelo sujeito passivo de obrigação tributária, logo representam afronta aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal substantivo. Precedentes. Doutrina.
3. Não é dado a conselho de fiscalização profissional perpetrar sanção de interdito profissional, por tempo indeterminado até a satisfação da obrigação pecuniária, com a finalidade de fazer valer seus interesses de arrecadação frente a infração disciplinar consistente na inadimplência fiscal. Trata-se de medida desproporcional e caracterizada como sanção política em matéria tributária.
4. Há diversos outros meios alternativos judiciais e extrajudiciais para cobrança de dívida civil que não obstaculizam a percepção de verbas alimentares ou atentam contra a inviolabilidade do mínimo existencial do devedor. Por isso, infere-se ofensa ao devido processo legal substantivo e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, haja vista a ausência de necessidade do ato estatal.
5. Fixação de Tese de julgamento para efeitos de repercussão geral: “É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.”
6. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com declaração de inconstitucionalidade dos arts. 34, XXIII, e 37, §2º, da Lei 8.906/1994. STF. Plenário. RE 647885, Rel. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020 (destacamos).

 

Assim, havendo o desempenho de atividades privativas de profissões regulamentadas, o registro é obrigatório, como demonstram os julgados abaixo, os quais adoto como razões de decidir:

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SÃO PAULO. ATIVIDADE EM CONSULTORIA EM GESTÃO EMPRESARIAL, EXCETO CONSULTORIA TÉCNICA ESPECÍFICA. REGISTRO. NECESSIDADE.

1. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei nº 6.839/80, a exigência de registro em conselho profissional está subordinada à atividade básica da empresa ou em relação àquela pela qual presta serviços a terceiros.

2. O impetrante tem por objeto social: atividade em consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica. 3. É entendimento deste Tribunal que as atividades desenvolvidas pelo impetrante sujeitam-no ao registro junto ao Conselho Regional de Administração. 4. Apelação parcialmente provida para afastar a r. sentença que não apreciou o mérito e, neste, nos termos do art. 515, § 3º do CPC/1973, julgar improcedente o pedido” (ApCiv 0013492-53.2012.4.03.6100, DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA, TRF3 – QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 30/01/2018.)(destacamos).

 

ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. EMPRESA QUE PRESTA SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO A TERCEIROS. REGISTRO OBRIGATÓRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 

1. A questão devolvida a esta E. Corte diz respeito à obrigatoriedade de registro junto ao Conselho Regional de Administração do Estado de São Paulo – CRA/SP.

2. A Lei nº 4.769/65 dispõe, em seu art. 2º, que “a atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante: a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior; b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos”.

3. Os arts. 14 e 15 da mesma lei determinam que “só poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos C.R.T.A., pelos quais será expedida a carteira profissional”, e que “serão obrigatoriamente registrados nos C.R.T.A. as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades do Técnico de Administração, enunciadas nos termos desta Lei”.

4. O art. 1º, Parágrafo Único, da Lei nº 7.321/85, alterou para “Administrador” a denominação da categoria profissional de “Técnico de Administração”.

5. Entende o C. STJ que o critério de obrigatoriedade de registro no Conselho Profissional é determinado pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados. Precedente (RESP 200800726124, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:09/10/2009 ..DTPB:.) (grifamos).

 

Portanto, sendo verificado o exercício de atividades privativas de administrador, o pedido de cancelamento deve ser indeferido.

Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

[…]

(TRF3- PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL, processo Nº 5005426-67.2024.4.03.6103. Juiz Federal MATHEUS RODRIGUES MARQUES, julgado em: 08/08/2025)