RECURSO DE SENTENÇA. CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS POR DANOS POR COBRANÇA INDEVIDA DE ANUIDADE DE CONSELHO DE CLASSE. IRREGULARIDADE NA COBRANÇA NÃO COMPROVADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença na qual se julgou improcedente o pedido inicial. A lide versa sobre a o cancelamento de cobrança de anuidades de conselho profissional, no caso, o Conselho Regional de Administração de São Paulo CRA/SP, com bem como ao pagamento de indenização por danos materiais e morais por cobrança indevida.

Insurge-se o Recorrente, aduz que a cobrança das anuidades de 2016 a 2020 são indevidas, pois exerce atividade em outro estado desde 2008, mesma data na qual solicitou cancelamento da inscrição junto ao CRA/SP. Alega ainda que houve violação da Lei geral de proteção de dados pois o recorrente não estaria mais vinculado ao órgão de classe desde 2008, sendo ilegal a utilização dados e cobrança efetuadas em 2021. Reitera o pedido de condenação do réu ao pagamento de danos morais e materiais.

Foram apresentadas contrarrazões.

É o breve relatório.

VOTO

O pedido foi apreciado na origem com a seguinte fundamentação:

“ O autor ENRIQUE EGEA PACHECO – CPF: 307.833.648-49 objetiva provimento jurisdicional que declare a inexigibilidade de dívida lançada pelo Conselho Profissional, com a devolução valor pago pela inscrição indevida, a condenação em danos morais e a exclusão do seu nome do banco de dados do réu.

Preliminarmente, cabe informar que, de acordo com o art. 9º da Lei 10.259/01, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, não há prazo diferenciado para a prática de quaisquer atos processuais para pessoas jurídicas de direito público.

Observe-se, ainda, que o pedido formulado não visa, expressamente, à anulação de ato administrativo, mas apenas ao reconhecimento do seu direito de não se sujeitar à cobrança das anuidades pelo CREA de São Paulo. Logo, o presente Juízo é o competente para apreciar os pleitos formulados na exordial.

Sem mais preliminares, passo ao exame do mérito.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, prevê a liberdade de ação profissional nos termos seguintes: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Por conseguinte, a regra estabelecida pela Constituição Federal é o livre exercício da atividade profissional e o estabelecimento de requisitos legais concernentes à qualificação do profissional somente podem ser admitidos nos casos em que o exercício puder comprometer bens fundamentais da sociedade, como a saúde, a vida e a segurança.

Os Conselhos de Fiscalização Profissional, por sua vez, são autarquias federais criadas por lei cuja manutenção se dá, essencialmente, mediante a arrecadação das anuidades, que possuem natureza tributária por serem contribuições de interesse de categorias profissionais, de competência da União Federal, previstas no art. 149 da Constituição da República. Por esse motivo, submetem-se às limitações constitucionais ao poder de tributar, entre as quais o respeito ao princípio da legalidade para a criação ou majoração de tributos. 

A Lei 6.994, de 26 de maio de 1982 dispôs acerca da fixação das anuidades pelas entidades de fiscalização profissional em seu art. 1º. Posteriormente, a Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, passou a regulamentar a matéria, conferindo às entidades fiscalizatórias de classe a natureza de pessoas jurídicas de direito privado e revogando expressamente a Lei 6.994/82. Todavia, o art. 58 da Lei 9.649/98 foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual voltou a disciplinar a questão a Lei 6.994/82.

Subsiste, pois, suporte legal válido para a cobrança de anuidades pelos conselhos de fiscalização profissional.

No caso, expõe o requerente que o réu lhe informou que “em 1984 o Requerente havia feito a sua inscrição no Conselho dos Administradores, ora Requerido e, portanto, no entendimento do Requerido, é possível, em 2021 tomar medidas drásticas, como a negativação do nome sem nenhum critério e nem legalidade, no intuito de forçar o pagamento da mensalidade”. Aduz, porém, que “em todos estes anos, nunca entraram em contato com o Requerente para nada, nem para cobrar eventual mensalidade não paga, esquecem-se que de lá para cá novas regras foram criadas e que não foram consentidas pelo Requerente, nem tão pouco, foram a ele foram informadas”.

Enfatize-se que, antes da edição da Lei nº 12.514/2011, o fato gerador da cobrança da exação em questão não era a inscrição, mas sim o efetivo exercício profissional, de modo que é este o posicionamento a ser adotado no caso em testilha diante da data do registro (1984).

Nesse sentido é posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, consoante ementas a seguir transcritas:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. COBRANÇA DE ANUIDADES. FATO GERADOR POSTERIOR À LEI 12.514/2011. INSCRIÇÃO NO REGISTRO INDEPENDENTE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. AGRAVO INTERNO DA COTECE S.A. A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte entende que, antes da vigência da Lei 12.514/2011, o fato gerador da obrigação tributária era o exercício profissional e não o simples registro no Conselho profissional. A contrário sensu, obviamente, posteriormente à inovação legislativa, o que se leva em conta é o registro profissional. Precedente: AgInt no REsp. 1.615.612/SC, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.3.2017. 2. In casu, o registro da empresa no Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará – CREMEC ocorreu em 25.11.2011, em data posterior, portanto, à referida lei que passou a ter como fato gerador a simples inscrição. 3. Agravo Interno da COTECE S.A. a que se nega provimento.” (AIRESP – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – 1510845 2015.00.23022-3, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:14/03/2018)

 

Verifica-se, entretanto, que o autor não formalizou, perante o réu, pedido de cancelamento de sua inscrição, o que seria adequado diante da própria argumentação de que desde 2008 labora em outra região.

Ademais, este não demonstrou, documentalmente, diante dos vínculos no CNIS, que: a) deixou de exercer atividade que está no âmbito fiscalizatório do CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SÃO PAULO e b) de fato, passou a atuar em outra localidade não abrangida pelo CREA/SP e que pagaria a anuidade do CREA do Estado Federativo em que se encontra atualmente. Cabia ao requerente a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito, o que não ocorreu no caso (art. 373, I, CPC).

Inaplicável o instituto do “supressio” para admitir a inexigibilidade da cobrança de tributo, visto que preceitos derivados da boa-fé objetiva não legitimam a inobservância do direito positivo, precipuamente para violação da lei.

Rejeita-se, desse modo, o pedido de declaração de inexigibilidade das anuidades e, portanto, a devolução de valores recolhidos a este título.

Quanto à inscrição, esta foi cancelada por liberalidade do Conselho, em virtude da existência de 05 (cinco) anuidades pendentes de adimplemento (ID 240057886). Desse modo, resta prejudicada a análise do pedido de exclusão do seu nome do banco de dados do CREA-SP.

Por fim, para a configuração dos danos morais, não basta o aborrecimento ordinário, diuturnamente suportado por todas as pessoas. Impõe-se que o sofrimento infligido à vítima seja de tal forma grave, invulgar, justifique a obrigação de indenizar do causador do dano e lhe fira, intensamente, qualquer direito da personalidade. Nesse sentido, veja-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho: “Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”. (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 4ª edição, 2003, p. 99).

Na hipótese, a inscrição em dívida ativa foi regular, visto que a cobrança das anuidades foi legítima e revela, em síntese, exercício regular do direito do Conselho Profissional. Destarte, correta a manutenção do nome do requerente no SERASA (PEFIN), visto que os referidos dados devem refletir, fielmente, a situação jurídica do demandante.” (destaquei)

A despeito das alegações recursais, observo que a matéria ventilada em sede recursal foi devidamente analisada pelo juízo de primeiro grau e não merece reparo, restando confirmada pelos próprios fundamentos.

Como destacado na sentença, o fato gerador da cobrança de anuidade, ao menos desde a Lei nº 12.514/2011 é a inscrição em conselho de classe.

A ré demonstrou que a inscrição do autor estava ativa entre 2016 e 2020 (anexo 07), período objeto da demanda, tendo somente sido cancelada, de ofício, em 12/04/2021, exatamente pelo não pagamento de 5 anuidades (anexo 36).

O autor, por sua vez, afirma que em 2008 solicitou o cancelamento de sua inscrição, por telefone, e ainda, que a partir daquela data não mais reside em São Paulo, não estando sujeito ao pagamento de anuidades nesta unidade da federação.

Sobre o pedido de cancelamento, não há nenhuma prova nos autos.

Sobre a alteração de endereço, conquanto possível, esta não restou comprovada de forma cabal, até porque nas petições e no comprovante de endereço anexado aos autos o autor declara residir no Município de São Paulo.

Por fim, não há que se falar em violação a lei geral de proteção de dados, pois cabe aos entes públicos manter atualizados os cadastros de pessoas sujeitos à sua área de atuação, podendo inclusive obtê-los junto a outros órgãos públicos. Ademais, caberia ao próprio autor demonstrar que comunicou a eventual mudança de endereço ao seu órgão de classe, o que não ocorreu.

Portanto, a sentença fica mantida tal qual prolatada.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.

Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da causa, devidos pela parte recorrente vencida. Na hipótese, enquanto a parte for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil.

É o voto.

 

EMENTA

RECURSO DE SENTENÇA. CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS POR DANOS POR COBRANÇA INDEVIDA DE ANUIDADE DE CONSELHO DE CLASSE. IRREGULARIDADE NA COBRANÇA NÃO COMPROVADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Como destacado na sentença, o fato gerador da cobrança de anuidade, ao menos desde a Lei nº 12.514/2011 é a inscrição em conselho de classe.

A ré demonstrou que a inscrição do autor estava ativa no período objeto da demanda.

O autor, por sua vez, afirma que em 2008 solicitou o cancelamento de sua inscrição, por telefone, e ainda, que a partir daquela data não mais reside em São Paulo, não estando sujeito ao pagamento de anuidades nesta unidade da federação. Tais fatos, porém, não foram comprovados.

Recurso não provido.

 

 ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Quarta Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região, Seção Judiciária do Estado de São Paulo, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

[…]. (TRF3 – TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO , RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5026357-08.2021.4.03.6100, juíza federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO, julgado em: 16/11/2022)