SENTENÇA
Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal – MPF em face do Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul com o objetivo de condenar o demandado a que: (1) proceda o imediato cancelamento do registro profissional junto ao Conselho Regional de Administração do Rio Grande do Sul (CRA-RS) de todos os inscritos que assim o solicitarem, ainda que constem débitos anteriores perante o Conselho, sem prejuízo de cobrança posterior dos valores devidos e, ainda que continue exercendo a atividade, limitando[1]se a alertar os profissionais das restrições e sanções decorrentes da falta de registro, (2) impeça o demandado de cobrar anuidades e/ou mensalidades relativas a período posterior a solicitação de desligamento do filiado e (3) determine ao demandado que dê ampla publicidade à medida, inclusive por meio de comunicando à imprensa e publicação em seu site oficial. Postulou, ainda, a cominação de multa para a hipótese de descumprimento e a concessão de antecipação da tutela.
Alegou que o CRA/RS se nega a realizar o cancelamento de registro profissional solicitado por escrito sob pretexto de que determinada função profissional é específica da área de Administração de Empresas, impedindo a desvinculação, prática que viola frontalmente o art. 5º, XX da Constituição da República.
Com base em representação feita pelo cidadão Maurício André Rodrigues relatando dificuldades no cancelamento do seu registro, disse que o Ministério Público Federal instaurou inquérito civil e expediu a Recomendação PRDC nº 11/2015 buscando orientar o CRA/RS a conceder o cancelamento do registro dos profissionais que assim o solicitarem, de modo a efetivar o direito constitucional à liberdade de associação, o que não foi aceito pelo Conselho.
Discorre sobre a sua legitimidade ativa, sobre o direito fundamental à liberdade de associação (art. 5º, XX, da Constituição Federal), e sua aplicabilidade aos conselhos de fiscalização profissional, de forma que o cancelamento da inscrição depende unicamente da manifestação de vontade do interessado. Citou jurisprudência.
Foi indeferida a antecipação da tutela (ev. 4).
Citado, o CRA/RS contestou, alegando que o MPF não tem legitimidade para propor a demanda, por estar defendendo interesses individuais disponíveis; no mérito, que é uma Autarquia de Fiscalização Profissional, longa manus do Poder Público Federal que visa cumprir as normas do art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, cuja vinculação é compulsória quando o cidadão exerce função regulamentada, tal qual referida na Lei 4.769/65 ou exerce atividade para cuja investidura depende de formação a esse nível, ao contrário da vinculação sindical que é facultativa. Diz que os conselhos profissionais são incumbidos, por lei, da fiscalização das profissões, tratando-se de tarefa privativa da União, praticada com base no poder de polícia. Afirma que defere o cancelamento de registro quando comprovado o não exercício de atividades privativas, independente da existência ou não de débitos, sendo que menos de 10% dos pedidos são indeferidos.
O MPF apresentou réplica (ev. 23).
O CRA se manifestou novamente nos eventos. 29, 31 e 40, juntando documentos.
O MPF se manifestou nos eventos 39 e 45.
Os autos vieram conclusos para sentença.
Fundamentação.
Quanto à legitimidade do Ministério Público para o presente feito, entendo que não há carência de ação, tendo em vista que é sua incumbência a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição), assim como são funções institucionais suas zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; e promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal). Já pela Lei Complementar 75/93, cabe ao Ministério Público da União a promoção de ação civil pública para proteção de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6º), dentre os quais podem ser classificados os direitos individuais homogêneos de uma categoria profissional, como os que são defendidos na presente ação, a qual também visa assegurar o respeito a direito relativo à liberdade de associação assegurado na Constituição, expresso art. 5º, XX, que fundamenta o pedido.
Mérito.
Os pedidos formulados na presente ação devem ser interpretados conforme a fundamentação, uma vez que ao mencionar “ainda que constem débitos anteriores perante o Conselho, sem prejuízo de cobrança posterior dos valores devidos”, o autor leva a entender que a causa de pedir estaria vinculada ao fato de o Conselho indeferir os pedidos de cancelamento do registro profissional com base na existência de débito por parte dos requerentes, quando, por toda a exposição feita na inicial, fica claro que a ação visa impedir ou alterar o comportamento do CRA de vincular o cancelamento do registro à cessação do exercício da atividade de administrador. Todavia, o pedido não é inepto pois também menciona “ainda que continue exercendo a atividade”, o que confere congruência lógica com a fundamentação.
Na inicial o MPF cita julgamento do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.464, de relatoria do Ministro Menezes Direito, na qual diz-se que a liberdade de associação possui tanto uma dimensão positiva quanto negativa, de forma que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.
Tal afirmação demonstra o âmbito restrito de aplicação do princípio da liberdade de associação, com o consequente direito à exclusão sem qualquer empecilho e sua distinção relativamente à relação existente entre os integrantes de categorias profissionais e os Conselhos de fiscalização respectivos, uma vez que não há associação tampouco liberdade quanto a submeter-se ou não a referidos Conselhos. Por consequência, a inscrição perante essas autarquias não é mero ato de liberalidade dos profissionais e sua exclusão, consequentemente, está vinculada ao fato de não mais exercerem a profissão regulamentada.
Conforme José Afonso da Silva
“A liberdade de associação, de acordo com o dispositivo constitucional em exame, contém quatro direitos: o de criar associação, que não depende de autorização; o de aderir a qualquer associação, pois ninguém poderá ser obrigado a associar-se; o de desligar-se da associação, porque ninguém poderá ser compelido a permanecer associado; e o de dissolver espontaneamente a associação, já que não se pode compelir a associação de existir” (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo – Malheiros, 9ª ed. 1994, p. 241)
O CRA não pode ser compelido a cancelar o registro profissional e a não cobrar as anuidades caso entenda que o requerente está ou continua exercendo profissão sujeita à sua fiscalização.
Lembre-se que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF) e que, nos termos do art. 5º, XIII, da CF, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Ocorre que segundo as disposições da Lei 4.769/65, somente poderão exercer a profissão de Administrador os profissionais devidamente registrados, inclusive empresas, entidades e escritórios técnicos (arts. 14 e 15), sendo o registro obrigatório.
Ao contrário das associações, cujo vínculo é contratual e voluntário, ensejando a incidência da norma constitucional citada, o liame jurídico que une os profissionais aos Conselhos de fiscalização é legal e obrigatório, de forma que ao entender que o interessado tem a liberdade de cancelar o registro independente do exercício da profissão, significa outorgar a faculdade de praticar o exercício ilegal dessa profissão.
Portanto, ficando restrito ao objeto da ação, entendo que não é cabível determinar ao CRA/RS que defira o cancelamento dos registros imediatamente e sem qualquer averiguação quanto ao exercício ou não das atividades sujeitas à sua fiscalização e que impõem a obrigatoriedade do registro.
Dispositivo.
Isto posto, rejeito a preliminar e julgo improcedente o pedido.
Sem condenação em honorários advocatícios (art. 18 da Lei 7.347/85).
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 16 da Lei 4.717/65).
Interposta(s) apelação(ões), dê-se vista à(s) parte(s) contrária(s) para contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao TRF/4 (art. 1.010 do CPC).
Após, encaminhem-se os autos ao TRF/4ª.
[…]. (TRF4 – 4ª Vara Federal de Porto Alegre, AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5072725-65.2015.4.04.7100/RS, juiz federal BRUNO BRUM RIBAS, julgado em: 13/02/2017)