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Mulher, mercado de trabalho e o princípio da igualdade

 

Adm. Mauro Kreuz

 

O artigo quinto da Constituição Federal de 1988 diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Logo em seguida, o inciso I complementa que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Declarar a igualdade de todos perante a lei foi uma preocupação que nasceu após a Revolução Francesa, em 1789. Depois da queda da Bastilha, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi criada e adotada pela Assembleia Constituinte Nacional e incorporada pelas constituições mais modernas, como a brasileira.

No Direito, o princípio da igualdade é dividido em formal e material. No primeiro, fala-se da igualdade jurídica e do tratamento sem distinções. Já no sentido material, pressupõe que deve-se tratar igual os iguais e desigual os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

Perante a lei, portanto, homens e mulheres são iguais. Possuem os mesmos direitos e deveres, além da mesma dignidade. Ora, mas sabemos que há diferenças físicas, hormonais, emocionais e psicológicas. É por isso, por exemplo, que em provas de aptidão física previstas em alguns concursos públicos, mulheres realizam testes adequados à capacidade física delas.

Por produzirem pouca testosterona, elas acabam tendo menos massa muscular, e isso diferencia as mulheres dos homens. Dessa maneira, não há a garantia de equidade, caso mulheres realizem as mesmas provas que os candidatos do sexo masculino. Por isso, a adequação dos testes é essencial para dar efetividade ao preceito constitucional da igualdade.

Essas diferenças entre homens e mulheres são naturais e saudáveis. Porém, há quem use as dissemelhanças para se julgar superior ou inferior ao próximo. Mulheres, infelizmente, ainda são desvalorizadas por essa suposta “superioridade masculina”. Em pleno século XXI, ainda vemos uma boa parte de meninas e mulheres preteridas nos mais diversos espaços da sociedade.

No mercado de trabalho, apesar de toda a luta feminina por equidade de gênero, ainda observamos grandes discrepâncias. Segundo estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado no ano passado, as mulheres ganham, em média, 20,5% menos que os homens no país. Essa diferença salarial foi identificada em todas as ocupações selecionadas na pesquisa.

A dificuldade em ascender a postos de gestão também é outro desafio que ainda não foi superado, mas os estudos apontam que a participação delas nessas áreas vem crescendo. Dos 2,6 milhões de empregos em cargos de chefia registrados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) em 2017, as mulheres somavam 1.143.821 vínculos empregatícios, 43,8% do total.

Ainda sobre a vida profissional das mulheres, de acordo com o estudo “Assédio moral no trabalho, gênero, raça e poder”, publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional em 2018, elas sofrem mais assédio do que os homens no ambiente de trabalho. Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa, 65% das entrevistadas relataram que sofreram atos repetidos de violência psicológica. No público masculino, esse percentual é de 35%.

Aquelas que são mães relatam, ainda, que foram hostilizadas no ambiente profissional desde a gestação e pior: levantamento realizado pela Fundação Getulio Vargas mostrou que metade das mulheres perdem o emprego em até dois anos depois da licença maternidade.

E tem mais: quando elas vão buscar novas oportunidades na carreira, é comum passarem por constrangimentos na hora da entrevista. E, em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Inúmeras pesquisas apontam para a infeliz realidade: a igualdade, tão defendida pelas nações que adotam o Estado Democrático de Direito, só existe mesmo no papel. Na prática, o que observamos é a luta incansável de mulheres e meninas para conquistarem seus espaços na sociedade.

Na década de 1930, a filósofa e teóloga alemã, Edith Stein, em pleno período da Segunda Guerra Mundial, chamou a atenção da sociedade para esse problema. Na época, ela falou sobre o papel da mulher e sua importância para frear o nazismo. No livro “A Mulher”, ela alertava “que pela queda, a relação de companheirismo transformou-se em relação de domínio, muitas vezes exercida de modo brutal, onde já não se tem em mente os dons naturais da mulher e seu desenvolvimento máximo; agora ela é explorada como um meio para um fim, a serviço de uma obra ou para satisfação dos próprios desejos”.

Anos depois, ela foi sequestrada pelos nazistas, deportada e morreu em Auschwitz. Mas as obras que ela deixou são essenciais para compreender a graça por trás da complementariedade entre homem e mulher. Se o mundo prestasse atenção a esses ensinamentos, certamente que os números das incontáveis pesquisas sobre o universo feminino seriam mais atraentes.

Esse cenário só será transformado quando mudarmos a mentalidade do mundo. O primeiro passo é fazer valer, na prática, o princípio da igualdade. Mulheres precisam ter as mesmas oportunidades que eu e meus colegas e esse estímulo precisa vir desde a escola, oportunizando que meninas se engajem mais em projetos e pesquisas.

Já os meninos precisam ser educados para respeitar as mulheres. Eles precisam aprender que elas não são objetos de desejos. É preciso mostrar o que é respeito, empatia e consentimento para que vejam as mulheres como pessoas que têm os mesmos direitos e deveres que eles.

Quanto a nós, gestores, temos a missão de promover ações e iniciativas que permitam às mulheres terem mais espaço no mundo corporativo. Mais que isso: com o avanço feminino no mercado de trabalho, é essencial que as empresas busquem alternativas para se adaptar à maternidade. Vou além: essas iniciativas precisam, também, atender aos pais e às famílias em geral.

Afinal, quando a gente estimula que homens possam exercer uma paternidade presente, mais responsável e compartilhe tarefas da família com suas companheiras, as mulheres ficam menos sobrecarregadas e muito mais seguras para construírem suas carreiras profissionais.

Grandes empresas, em todo o mundo, já adotam medidas como essas. E estudos mostram que essas iniciativas aumentam a produtividade, pois os colaboradores trabalham mais felizes. Além disso, relatório da Organização Internacional do Trabalho mostra que três entre quatro empresas que promovem a equidade entre homens e mulheres em cargos diretivos obtiveram aumento de lucros de 5% a 20%.

Temos a missão de estimular o tratamento justo entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, respeitando as diferenças e apoiando a não discriminação. Muito mais que pensar em lucros, essa atitude promove o respeito.

Mulheres são, sim, diferentes dos homens, mas detém os mesmos direitos e deveres destes. Somos desiguais, mas temos a mesma dignidade. Não há o maior, nem o menor. Elas não precisam ser como os homens para mostrar suas competências e habilidades, e nem o contrário. Mas é impreterível que saibamos como cada um é a fim de facilitar o bom relacionamento social e profissional entre eles.

Neste Dia Internacional da Mulher, endosso a importância da luta feminina por equidade. O Sistema Conselhos Federal e Regionais de Administração abraça essa causa e, por meio do Fórum da Profissional de Administração, criou o “ADM Mulher” que promove o diálogo permanente sobre as ações voltadas para o fomento do protagonismo feminino no mercado de trabalho e na sociedade. A proposta é pautada no respeito às diferenças e não pela supremacia de um gênero acima do outro. É preciso, ainda, estimular o aumento da participação da mulher no Sistema CFA/CRAs, encorajando-as a assumirem o protagonismo em prol da profissão.

Mulheres, profissionais de administração. Mães, esposas, donas de casa e trabalhadoras. Vocês são uma verdadeira força da natureza. A luta de vocês é a nossa luta.

 

Adm. Mauro Kreuz

Presidente do Conselho Federal de Administração