E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 304 C/C ART. 297 DO CP. USO DE DIPLOMA FALSO PERANTE O CRA/SP COM A FINALIDADE DE OBTER REGISTRO PROFISSIONAL. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU VIRTUAL. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE REFERENTE À CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ. REGIME ABERTO. ART. 44 DO CP. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
Não deve ser acolhido o pedido da defesa no sentido de que a prescrição seja calculada com base na pena mínima fixada ao delito, diante da possibilidade de redução da reprimenda no julgamento da apelação. O instituto da prescrição antecipada, em perspectiva ou “virtual” não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional e, derivado de criação doutrinária, há muito foi rechaçado pela jurisprudência, inclusive do E. Supremo Tribunal Federal, que decidiu o tema em sede de repercussão geral.
Dosimetria. Redução da pena-base para o patamar mínimo legal.
Não existem elementos concretos capazes de justificar a exasperação da pena em decorrência da culpabilidade, sendo que a utilização de documento falso com a finalidade de obter inscrição em conselho profissional não revela maior reprovabilidade da conduta.
A circunstância judicial da “personalidade do agente” refere-se ao caráter do acusado. Deve ser entendida como a “agressividade, a insensibilidade acentuada, a maldade, a ambição, a desonestidade e perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito” (HC 50.331, LAURITA VAZ, STJ – QUINTA TURMA, DJ DATA:06/08/2007 PG:00550 REVFOR VOL.:00394 PG:00434 ..DTPB).
Na segunda fase da dosimetria, deve incidir a atenuante referente à confissão espontânea, mantendo-se, contudo, a pena intermediária no patamar mínimo legal, em consonância com a Súmula nº 231 do STJ.
Pena definitivamente fixada em 2 anos de reclusão e 10 dias multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença.
Fixação do regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c” e §3º do CP.
Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, conforme critérios a serem estabelecidos pelo Juízo da execução, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo em favor da União.
Apelação parcialmente provida.
(TRF3 – Décima Primeira Turma, APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003834-58.2009.4.03.6181, RELATOR: Gab. 39 – DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, Data de julgamento: 15/03/21, Data de publicação: 18/03/2021).
Transitado em Julgado em 31/05/2021.
__________________________________________________________
SENTENÇA
[…]
É o relatório.
Fundamento e decido.
Preliminarmente, anoto que o crime apurado nos presentes autos é de competência da Justiça Federal.
Prevalesce o entendimento jurisprudencial de que diploma de ensino expedido por instituição privada trata-se de documento público, pois a instituição de ensino particular age como delegada da União.
Trancrevo a seguinte ementa:
Ementa
Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DIPLOMA E CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR EM INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO FALSOS. APRESENTAÇÃO PARA FINS DE OBTENÇÃO DE REGISTRO PROFISSIONAL NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO – CRA. COMPETÊCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INFRAÇÕES PRATICADAS EM DETRIMENTO DE SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO (ART. 109, IV, DA CF). INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE ENSINO SUPERIOR INTEGRANTES DO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO (ARTS. 16, II, E 21, II, DA LEI N. 9.394/96). SUJEITAS, PORTANTO, À AUTORIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SUPERVISÃO, CONTROLE E AVALIAÇÃO DO PODER PÚBLICO FEDERAL. ORDEM INDEFERIDA.
1. O uso de documento falso de instituição privada de ensino superior, com o fato de apresentá-lo ao órgão de fiscalização profissional federal, é delito cognoscível pela justiça federal, que ostenta, para o caso concreto, competência absoluta.
2. É que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) explicita que a educação superior está inserida no gênero educação escolar, bem como prevê que as instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada também integram o sistema federal de ensino, nos termos dos artigos 21, inciso II, e 16, inciso II, respectivamente.
3. Outrossim, o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal determina que “Aos juízes federais compete processar e julgar: (…) IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral” (Sem grifos no original).
4. In casu: (i) discute-se a competência para processar e julgar delitos relacionados à falsificação de diploma e de certidão de conclusão de curso superior em instituição privada de ensino, para fins de obtenção de registro profissional perante o Conselho Regional de Administração (CRA), cuja natureza jurídica é de autarquia federal; (ii) o paciente foi denunciado, por esses fatos, perante a 3ª Vara Federal Criminal do Estadode São Paulo como incurso nas sanções dos artigos 297, 299 e 304 do Código Penal;(iii) a defesa opôs exceção de incompetência, pleiteando a remessa do autos à Justiça Estadual, sob o argumento de que, embora o documento dito falso tenha sido apresentado a autarquia federal, a credibilidade que teria sido abalada é a da instituição de ensino particular, pois seria ela quem estaria atestando a inexistente formatura do acusado, e não a seriedade do Conselho Regional de Administração.
5. Considerando que o diploma falsificado diz respeito a instituição de ensino superior, incluída no Sistema Federal de Ensino, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), resta patente que o delito narrado na denúncia foi praticado em detrimento de interesse da União, a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, CRFB), mesmo porque se operou o seu uso, sendo que consta que a referida autarquia teria descoberto a fraude e negado a emissão do registro.
6.Ordem indeferida. (STF HC 93938 / SP – SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 25/10/2011 Publicação: 23/11/2011 Órgão julgador: Primeira Turma)
Ainda em preliminar, aduz a defesa do acusado a ocorrência da prescrição, considerada:
1) data anterior ao recebimento da denúncia, eis que os fatos ocorreram antes das alterações ocorridas no Código Penal pela lei nº 12.234, de 2010.
2) entre a data de recebimento da denúncia, e a prolação da sentença.
Entretanto, por qualquer ângulo que se observe, o crime em comento não está prescrito.
O delito apurado possui pena máxima de 06 (seis) anos, prescrevendo em 12 (doze) anos, nos termos do artigo 109, III, do Código Penal.
Há de se considerar, ainda, que houve a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional em relação ao acusado, nos termos do artigo 366 do CPP.
Desta forma, entre a data dos fatos, 17/08/2007, e a data de recebimento da denúncia, 17 de setembro de 2013 não houve a consumação da pretensão punitiva estatal no caso em tela. E, ainda, entre a data do recebimento da denúncia até presente data, igualmente não ocorreu a prescrição.
No mérito, restou comprovado, ao longo da instrução criminal, a ocorrência do crime previsto no artigo 304, c/c artigo 297, caput, do Código Penal, pois o acusado, com a intenção de obter registro de profissional de graduado perante o Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP), usou diploma de curso universitário falso, supostamente expedido pela Universidade de Guarulhos, que adquiriu junto a AYRTON.
Entretanto, por identificar inconsistências nos documentos, o Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) expediu ofício à instituição de ensino (fls. 38). Em resposta, a Universidade de Guarulhos informou que o acusado não foi aluno da universidade e que o diploma não foi por ela emitido fls. 39).
A materialidade delitiva restou devidamente comprovada através de notitia criminis encaminhada pelo CRA/SP a fls. 02/06, de cópia do diploma falso apresentado pelo réu ao Conselho de classe (fls. 36/37), pelo ofício da Universidade de Guarulhos, atestando a falsidade do documento em comento (fls. 39 e 40), pelo relatório conclusivo exarado pelo CRA acerca da falsidade do diploma apresentado (fls. 48/50) e ante o laudo pericial atestando a falsidade do Diploma e sua aptidão a enganar o homem médio (fls.100/102).
A autoria delitiva é certa e induvidosa.
ELDIO asseverou em Juízo que teria negociado a aquisição do diploma falso que fora apresentado ao CRA com o outro corréu, mas que, após arrepender-se, teria desfeito o negócio, sem saber o porquê de ter o diploma inidôneo, devidamente acompanhado de uma formulário preenchido, assinado e instruído com sua impressão digital, sido apresentado junto ao Conselho Regional de Administração em seu nome.
Entretanto, a versão apresentada pelo acusado em interrogatório judicial é dissonante das provas dos autos, e não encontra quaisquer respaldo. Ao revés, é uma tentativa de eximir-se de eventual responsabilização criminal.
Destaco que foi o próprio acusado, de acordo com informações constantes dos autos, quem apresentou o documento falso perante o CRA em requerimento de registro, de próprio punho (fls.06).
Tal assertiva pode ser comprovada pela impressão digital de ELDIO contida no formulário de inscrição apresentado perante o citado conselho de classe, pois o laudo de perícia papiloscópica confirmou que as impressões digitais do “Pedido de Registro de Administrador” (fls. 35) são as mesmas que constam como sendo de Eldio Rizzi Sicard Corsini junto ao Instituto Nacional de Identificação (fLS. 121/122). Portanto, afasta-se eventuais questionamentos acerca da autoria do crime, de que o formulário teria sido apresentado pelo corréu Ayrton.
Destaco, ainda, que o requerimento foi municiado com seus documentos pessoais, o que demonstra o nítido propósito do acusado em se inscrever perante o CRA.
Outro ponto a ser levantado nos autos é que, somente após resposta da Universidade de Guarulhos ao CRA de que o acusado não fazia parte do corpo de alunos, é que se pode aferir que o documento apresentado era falso. Ou seja, houve, de fato, dúvidas perante àquele órgão a respeito da veracidade daquele documento.
Portanto, ao contrário do que aduz a defesa, torna-se evidente que o documento (diploma) tinha totais condições de ludibriar os funcionários daquele órgão, ou seja,havia potencialidade lesiva suficiente na falsificação capaz de iludir o homem médio. No mesmo sentido, o laudo de fls 100/102 dá conta de que o documento era hábil a ludibrir as pessoas que o manusearam.
Ainda, o simples uso do documento falso já é suficiente para consumação do delito, conforme demonstra jurisprudência (ver, a propósito: TRF 3, AC 000 660-
64.2017.4.03.6115 Relator: Juíza Convocada Louise Filgueiras, data de julgamento:14/10/2019, Dje 21/10/2019)
Portanto, restou comprovado o dolo, no sentido de que o acusado usou documentos falsos perante o CRA, com a finalidade de instruir requerimento de registro profissional.
No mais, a conduta é antijurídica, tanto sob o ponto de vista formal (contrariedade da conduta com o Direito), bem como em sua vertente material (efetiva lesão a um bem juridicamente tutelado).
No tocante à culpabilidade, momento em que realizado um juízo valorativo que se faz ao autor relativamente ao fato criminoso, verifico que o acusado é imputável, pois possuía à época do crime, plena capacidade mental de compreensão (aspecto intelectivo) e autodeterminação (aspecto volitivo) acerca do caráter ilícito de sua conduta. Tinha potencial consciência da ilicitude de seus atos, pois sabia claramente de que se tratava de crime, excluídas, desta forma, as hipóteses previstas no artigo 21 do CP. Ainda, agiu em circunstâncias absolutamente normais, sendo que era exigível da mesma, na oportunidade em que o delito ocorreu, um comportamento diferente e conforme o direito (exigibilidade de conduta diversa)
Trata-se portanto de fato típico, ilícito e culpável, cuja materialidade e autoria restaram devidamente comprovadas.
Passo neste momento à aplicação da pena.
DA APLICAÇÃO DA PENA
Da pena privativa de liberdade
Para a dosimetria da pena privativa de liberdade, verifico que as seguintes circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do CP, merecem valoração:
Culpabilidade, pois verifico que a culpabilidade do acusado afastou-se do grau normal
de reprovabilidade adequada ao tipo, sendo sua conduta merecedora de elevada
censura, revelada a audácia de usar documentos falsos para requerimento de inscrição
perante conselho profissional, de modo que fixo a pena-base acima do mínimo legal
para o crime praticado nos presentes autos.
Personalidade, pois demonstra que o acusado preferiu se utilizar de meio mais “fácil” (e inidôneo) para obter seu registro no CRA, sendo que poderia ter cursado Administração de empresas para exercer a profissão, sem a necessidade de ludibriar o órgão, o que revela personalidade inclinada para a prática de atos ilícitos.
Pelas razões expostas, fixo a pena base acima do mínimo legal, em 3 anos de reclusão.
Na segunda fase de aplicação da pena privativa de liberdade, não vislumbro circunstâncias agravantes nem atenuantes a serem consideradas, pelo que mantenho a pena aplicada, que permanece em 03 anos de reclusão.
Na terceira fase da dosimetria, não verifico a presença de causas de aumento ou de diminuição de pena, e fixo, desta forma, a pena definitiva de 03 anos de reclusão.
No tocante à pena de multa, fixo-a a proporcionalmente à pena privativa de liberdade aplicada, analisando-se a valoração acima do mínimo legal conforme os mesmos critérios acima descritos, alcançando assim o quantum de 96 dias-multa, sendo o valor de cada dia-multa fixado em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
O regime inicial para o cumprimento de pena do acusado deverá ser o fechado, pois, diante da análise do caso concreto, consoante os termos dos artigos 59 e 33 do Código Penal, e, levando-se em consideração o modus operandi da conduta delitiva, bem como as características do crime já relatadas, impõe-se, em razão da elevação da pena-base do delito em decorrência das circunstâncias judiciais negativas (art. 33, §3º, CP).
O acusado respondeu ao processo em liberdade, pelo que lhe faculto o direito de recorrer em liberdade.
Incabível a sua substituição por penas restritivas de direitos, pois a culpabilidade e a personalidade acima valoradas indicam que tal substituição seria insuficiente à justa repressão e prevenção do crime cometido pelos acusados (art. 44, III, CP).
Igualmente incabível a suspensão condicional do processo, visto que a culpabilidade e a personalidade acima valoradas não autorizam a concessão do benefício (art. 77, II e III, CP).
Deixo de fixar valor mínimo de indenização nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, visto que não houve pedido expresso nem contraditório.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente a ação penal e CONDENO […] (TRF3- 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo, PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 0003834-58.2009.4.03.6181, Juíza Federal MARIA ISABEL DO PRADO, Data de julgamento: 26/10/20, Data de publicação: DJe 10/11/20).