APELAÇÃO. EMPRESA DE FACTORING. FUNÇÕES EXERCIDAS SE ENQUADRAM NAS ATIVIDADES TÍPICAS DOS ADMINISTRADORES. INSCRIÇÃO NO CRA. CABIMENTO DE REGISTRO. APELAÇÃO PROVIDA.

DECISÃO

Vistos.

Trata-se de apelação à sentença de procedência em ação para declarar inexistência de relação jurídica, afastar obrigatoriedade de registro no conselho profissional, e exigência de anuidade ou multa, fixada verba honorária em 10% do valor atualizado da causa.

Alegou-se que: (1) impossível compra de créditos sem prestação de serviços, por caracterizar atividade bancária ou agiotagem; (2) não cabe aplicação dos EResp 1.236.002 no caso da empresa prestar serviços, e não apenas comprar créditos; (3) para exigência de registro basta que uma das atividades descritas no contrato social esteja configurada como restrita à categoria profissional; (4) o exercício da atividade de factoring conjugado com mais serviços insere-se na previsão da Lei 4.769/1965; (5) a interpretação da autora está desatualizada; e (6) deve ser mantido o registro, pois consta do respectivo objeto social a “prestação de serviços convencionais de análise do risco de títulos e cobrança de créditos da faturizada, conjugado ou separadamente”.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

DECIDO.

Nos termos do artigo 932, CPC, incumbe ao relator, por decisão monocrática: não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou não impugnado em específico quanto aos fundamentos da decisão recorrida (inciso III); negar provimento a recurso contrário a súmulas de Tribunais Superiores ou da própria Corte (inciso IV, a), a julgados repetitivos de Cortes Superiores (inciso IV, b) e a entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso IV, c); e, facultadas contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida contrariar súmula de Tribunais Superiores ou da própria Corte (inciso V, a), julgado repetitivo de Cortes Superiores (inciso V, b), e entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso V, c).

Segundo a Corte Superior, a legislação processual também permite “ao relator decidir monocraticamente o recurso, quando amparado em jurisprudência dominante ou Súmula de Tribunal Superior, consoante exegese do art. 932, IV e V, do CPC/2015. Eventual mácula na deliberação unipessoal fica superada, em razão da apreciação da matéria pelo órgão colegiado na seara do agravo interno” (AgInt nos EDcl no CC 139.267, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 18/11/2016; AINTARESP 1.524.177, Rel. Min. MARCO BELLIZZE, DJE 12/12/2019; AIRESP 1.807.225, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 26/11/201; AIRESP 1.702.970, Rel. Min. PAULO SANSEVERINO, DJE 30/08/2019; AIRESP 1.365.096, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJE 01/07/2019; e AIRESP 1.794.297, Rel. Min. OG FERNANDES, DJE 12/06/2019).

A hipótese comporta julgamento sob tais parâmetros.

Com efeito, resta consolidado o entendimento na Corte Superior no sentido de que é inexigível inscrição no Conselho Regional de Administração de empresa que exerce atividade de factoring convencional, de natureza estritamente mercantil.

A propósito:

AgInt no REsp 1.613.546, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de 26/2/2019: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMPRESA QUE SE DEDICA À ATIVIDADE DE FACTORING. REGISTRO NO RESPECTIVO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do EREsp 1.236.002/ES (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 25/11/2014), decidiu ser inexigível a inscrição da empresa que se dedica ao factoring convencional no respectivo Conselho de Administração, tendo em vista que tal atividade “consiste em uma operação de natureza eminentemente mercantil, prescindindo, dest’arte, de oferta, às empresas-clientes, de conhecimentos inerentes às técnicas de administração, nem de administração mercadológica ou financeira”. 2. Agravo interno não provido.”

AgInt no REsp 1.681.860, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 03/08/2018: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR. MATÉRIA NÃO ALEGADA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FACTORING. FOMENTO MERCANTIL. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. INSCRIÇÃO. DESNECESSIDADE. 1. A matéria que não foi abordada no momento oportuno não pode ser conhecida, ante a preclusão consumativa. 2. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, quando do julgamento dos EREsp n. 1.236.002/ES, da relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, fixou o entendimento segundo o qual é desnecessária a inscrição das empresas de factoring nos conselhos regionais de administração nas hipóteses em que as respectivas atividades tenham natureza eminentemente mercantil, isto é, não abarquem gestões estratégicas, técnicas e programas de execução cujo objetivo seja o desenvolvimento de empresas. 3. Hipótese em que o Tribunal de origem concluiu que a atividade desenvolvida pela empresa destina-se privativamente ao fomento mercantil. 4. O recurso manifestamente improcedente atrai a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, na razão de 1% a 5% do valor atualizado da causa. 5. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa.”

Como se observa, se a empresa circunscreve o objeto social à aquisição comercial de direitos creditórios, por valor à vista e mediante taxas de juros e de serviços, de contas a receber a prazo, auferindo, assim, lucro em razão da diferença entre o valor pago e o direito creditório a ser recebido, não se obriga à inscrição no Conselho Regional de Administração, porque tal atividade não envolve, em si, qualquer prestação de serviço na área de administração empresarial.

Sucede que, se além da mera aquisição comercial de direitos creditórios no âmbito do factoring convencional, for ainda prevista no objeto social a prestação de serviços de consultoria inerente à administração empresarial, torna-se obrigatório o registro profissional no respectivo conselho de fiscalização.

A propósito, assim tem decidido a Turma:

ApCiv 0000796-75.2014.4.03.6112, Rel. Des. Fed. NERY JUNIOR, e-DJF3 23/12/2020: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMPRESA DE FACTORING. INSCRIÇÃO NO CRA-SP. ATIVIDADE BÁSICA DA EMPRESA NA ÁREA TÉCNICA DE ADMINISTRAÇÃO. CABIMENTO DE REGISTRO NO CONSELHO PROFISSIONAL. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDAS. 1-A autora é empresa que desenvolve atividade de factoring, nos termos do artigo 14 da Lei nº 9.718/88 e alega que foi compelida pelo réu a se inscrever, sob o fundamento de que as empresas de factoring exercem atividade básica ou final de prestação de serviços técnicos de administração. 2-O critério de obrigatoriedade de registro da pessoa jurídica no Conselho Profissional é determinado pela atividade básica realizado na empresa ou pela natureza dos serviços prestados. A Lei nº 6.839/80, ao regulamentar a matéria, dispôs em seu art. 1º que a inscrição deve levar em consideração a atividade básica ou em relação àquela pela qual as empresas e os profissionais prestem serviços a terceiros. 3-No presente caso, a autora afirma que é empresa que desenvolve atividade de factoring, nos termos do artigo 14 da Lei nº 9.718/88. Contudo, observo que o objeto social da empresa consiste em “prestação de serviços convencionais ou extraordinários, em caráter continuo, de orientação, pesquisa e alavancagem mercadológica, análise de risco de crédito, acompanhamento de contas a pagar e a receber, a aquisição parcial ou total de créditos ou ativos resultantes de vendas mercantis ou de prestações de serviços, e a participação, como quotista ou acionista, de quaisquer outras sociedades.” 4-A atividade principal de factoring pode estar relacionada com outras dela decorrentes, chamadas de atividades secundárias, que não implicam na necessidade de inscrição perante o Conselho. 5- Entretanto, como bem salientou o Exmo. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, no EREsp 1236002/ES, deve ser objetivamente observada a atividade principal da empresa. Se esta consistir em operação de natureza eminentemente mercantil, não há necessidade do registro. Porém, ao analisar o contrato social, se a atividade básica desenvolvida por ela exigir conhecimentos técnicos específicos na área de administração mercadológica e de gerenciamento, atinentes às esferas financeira e comercial, não se trata de factoring convencional, sendo necessário o respectivo Conselho Regional de Administração. 6-No caso em análise, o contrato social da autora é expresso ao apontar a prestação de serviços de orientação, pesquisa e alavancagem mercadológica, análise de risco de crédito, acompanhamento de contas a pagar e a receber, bem como participação, como quotista ou acionista, de quaisquer outras sociedades, típicos da atividade administrativa. 7-Portanto, é devido o registro da empresa autora no Conselho de Administração. 8. Apelação não provida.”

Na espécie, consta do contrato social que a autora, para além de atividades de natureza meramente comercial ou mercantil, que a dispensariam do registro profissional, cumula atuação na área sob fiscalização do Conselho Regional de Administração, atinente à “prestação em caráter contínuo, de serviços de alavancagem mercadológica, e de acompanhamento de contas a receber e a pagar conjugadamente; conjugadamente adquirir créditos (direitos) de empresas-clientes, resultantes de vendas mercantis de seus produtos, mercadorias ou de prestação de serviços; efetuar negócios de factoring no comércio internacional de importação e exportação” (ID 257008230, f. 02).

Logo, o registro profissional é exigível diante da legislação, jurisprudência e prova dos autos, a autorizar a reforma da sentença, com a decretação da improcedência do pedido, fixada a sucumbência a autora, com inversão da condenação arbitrada na origem.

Ante o exposto, com esteio no artigo 932, CPC, dou provimento à apelação para reformar a sentença, nos termos supracitados.

Publique-se.

Oportunamente, baixem os autos à vara de origem.

 

[…]. (TRF3 – Gab. 08 – DES. FED. CARLOS MUTA, APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025361-78.2019.4.03.6100, Desembargador CARLOS MUTA, julgado em: 04/08/2022)