ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (CRA/MG). EXECUÇÃO FISCAL.  EXIGÊNCIA DE REGISTRO. RESTRIÇÃO LEGÍTIMA. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE ANUIDADES. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PROVIDA.

R E L A T Ó R I O

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL LINCOLN RODRIGUES DE FARIA (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta pelo CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE MINAS GERAIS (CRA/MG) em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Montes Claros/MG que, por considerar descabida a exigência de registro e pagamento de anuidades como condição para o exercício da atividade profissional de administrador, por ofensa aos princípios da livre iniciativa e do exercício da profissão, extinguiu ação de execução fiscal.

A parte apelante postula pela nulidade da sentença, sob o fundamento de que o registro no CRA/MG é uma restrição legítima, decorrente legalidade e recepção do art. 14 da Lei nº 4.769/1965, sendo legal a cobrança de anuidades, espelhada em CDA, e a execução fiscal relativa.

Sem contrarrazões.

É o relatório.

 

V O T O

 

Preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, conheço da apelação.

No mérito, razão ao recorrente.

Cinge-se a controvérsia em verificar a legitimidade de registro e cobrança de anuidade pelo Conselho Regional de Administração.

Em sentença recorrida, houve a extinção de ofício da execução fiscal sob o fundamento de que o registro do Conselho de Fiscalização e o pagamento de anuidades são obrigações que restringem indevidamente a livre iniciativa e o exercício da atividade profissional do administrador.

Pois bem.                                                            

A livre-iniciativa é fundamento que estabelece a possibilidade de qualquer pessoa participar do mercado, seja como trabalhador, seja como empreendedor. Da livre-iniciativa, emanam “a garantia de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados respectivamente no inc. XIII do art. 5º e no parágrafo único do art. 170 da Constituição” (STF, ADC 66, Min. Cármen Lúcia, j. 21-12-2020).

Eis os dispositivos constitucionais que asseguram tais prerrogativas:

Art. 5º da CRFB/88 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(…)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV – livre concorrência.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Atento aos referidos comandos constitucionais, constata-se que o próprio Constituinte originário, apesar de assegurar a livre-iniciativa, restringiu esse princípio, de modo a condicioná-lo ao atendimento de qualificações profissionais, se for o caso (art. 5º, inciso XIII, in fine), e/ou submetê-lo excepcionalmente à necessidade de autorização prévia de órgãos públicos (art. 170, parágrafo único).

Assim, tais normas constitucionais são de eficácia contida ou restringível, que produz imediatamente os seus efeitos (a liberdade de exercer qualquer atividade econômica), mas que podem ser limitadas, por meio de lei.

As restrições ao direito da livre iniciativa e do exercício do trabalho são legítimas, em tese, tendo o STF bem esclarecido que “o princípio da livre-iniciativa, inserido no caput do art. 170 da Constituição nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, mas social, e que pode, consequentemente, ser limitada” (STF, ARE 1.104.226 AgR, rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. 27-4-2018).

No caso em comento, a profissão de administrador sofre legítima restrição, estabelecida nos artigos 3º e 14 da Lei nº 4.769/1965. Confira-se:

Art 3º da Lei nº 4.769/65. O exercício da profissão de Técnico de Administração é privativo: a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Emprêsas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos têrmos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961; (…)

Art 14. Só poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos C.R.T.A., pelos quais será expedida a carteira profissional.

Percebe-se que o legislador ponderou que, para exercer a profissão de administrador, é necessário ser bacharelado em Administração e ter registro no Conselho de Fiscalização.

Tal profissão, de fato, exige conhecimentos técnicos específicos, por pessoas qualificadas e habilitadas a prestar serviços de qualidade, além da necessidade de registro no Conselho, com vistas a que haja a devida orientação, normatização e fiscalização do exercício do ofício, assegurando tranquilidade e segurança dos beneficiários de tais serviços.

Tais exigências/restrições estatais são, portanto, proporcionais e razoáveis.

Lado outro, irrazoável a afirmação de que a restrição legal à profissão de administrador afrontaria o disposto no art. 3, I, da Lei nº 13.874/2019 ([1]).

Isso porque o próprio caput do referido enunciado normativo faz ressalva ao disposto no artigo 170, parágrafo único, da CRFB, em que viabiliza a fiscalização do Estado para o exercício de certas profissões. Além disso, a Resolução nº 57, de 21/5/2020, que regulamenta a Lei nº 13.874/2019, bem esclarece que as atividades econômicas, para serem exercidas, devem obediência às obrigações estabelecidas pela legislação ([2]).

Ressalte-se, ainda, que a matéria em discussão já foi objeto de debate por parte deste colegiado, que deliberou pela constitucionalidade da exigência e da respectiva cobrança de anuidades pelo Conselho Regional de Administração. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. REGISTRO. OBRIGATORIEDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA E DA RESPECTIVA COBRANÇA DE ANUIDADES. EXISTÊNCIA DE PISO MÍNIMO PARA O ANDAMENTO DE FEITOS EXECUTIVOS. LEGALIDADE. DETERMINAÇÃO DE ARQUIVAMENTO. 1. A Constituição Federal assegura o exercício de atividades profissionais, condicionando-as à presença dos requisitos fixados em lei (art. 5º, inciso XIII da CF/88). Assim, ao dispor sobre os requisitos necessários ao exercício da atividade de administrador, a Lei n. 4.769/65 atende aos comandos do legislador constituinte. Necessidade de reforma da sentença prolatada, que afastou a necessidade de registro da parte autora no Conselho de Administração para exercício da profissão de administrador. 2. O efeito translativo próprio dos recursos permite o enfrentamento de ofício de matéria de ordem pública, mesmo que não suscitada pelas partes. 3. São legítimos e constitucionais os óbices impostos pelo legislador ordinário para o processamento de execuções fiscais cujo valor não alcancem o piso legal, hipótese em que seu arquivamento sem baixa se impõe (Cf. Art. 8º, 2º da Lei n. 12.514/2011). 4.     Apelação provida, com arquivamento determinado de ofício. (TRF6 – AP 0001892-37.2019.4.01.3807 – 4ª Turma, Des. Simone S. Lemos, julgado em 10/5/2023).

Portanto, merece provimento a apelação para que a sentença seja anulada.

Lado outro, o prosseguimento da execução fiscal deve ser apreciado pelo juízo originário, notadamente se o valor cobrado na execução está aquém às balizas normativas estabelecidas no artigo 8º da Lei nº 12.514/2011, alterado pela Lei nº 14.195/2021, e se abaixo, observar a orientação do STJ, que determinou a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional (Tema nº 1.193).

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Conselho Regional de Administração para anular a sentença recorrida, mantendo-se o trâmite da ação de execução fiscal.

É como voto.

E M E N T A

     

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (CRA/MG). EXECUÇÃO FISCAL.  EXIGÊNCIA DE REGISTRO. RESTRIÇÃO LEGÍTIMA. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE ANUIDADES. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PROVIDA.

I – A livre-iniciativa é fundamento que estabelece a possibilidade de qualquer pessoa participar do mercado e exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão, sendo direito assegurado nos art. 5º, XIII e 170 da Constituição da República.

II – O próprio Constituinte originário, apesar de assegurar a livre-iniciativa, restringiu esse princípio, de modo a condicioná-lo ao atendimento de qualificações profissionais, se for o caso (art. 5º, inciso XIII, in fine), e/ou submetê-lo excepcionalmente à necessidade de autorização prévia de órgãos públicos (art. 170, parágrafo único).

III – A profissão de administrador sofre legítima restrição, estabelecida nos 3º e 14 da Lei nº 4.769/1965, sendo necessária, para exercê-la, que o indivíduo seja bacharelado em administração e ter registro no respectivo Conselho de Fiscalização.

IV – A matéria em discussão já foi objeto de debate por parte deste colegiado, que deliberou pela legalidade da exigência e da respectiva cobrança de anuidades pelo Conselho Regional de Administração (Precedente nesse sentido: TRF6 – AP 0001892-37.2019.4.01.3807 – 4ª Turma, Des. Simone S. Lemos, julgado em 10/5/2023).

V – Apelação provida para anular a sentença recorrida.

 

 

A C Ó R D Ã O

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento nos termos do voto do relator.

[…]  ( TRF 6-AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)  n. 1012239-44.2021.4.01.3807, DESEMBARGADOR FEDERAL LINCOLN RODRIGUES DE FARIA (RELATOR), julgado por unanimidade pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região em 11/12/2023)