SENTENÇA
Trata-se de ação de procedimento comum, com pedido de tutela provisória, objetivando a sustação do protesto relacionado à certidão de dívida ativa – CDA n° 827768, apresentado pelo Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro – CRA/RJ em desfavor da autora. Como causa de pedir, a demandante alega que as atividades precípuas que desenvolve – serviço burocrático de intermediação em procedimentos licitatórios – não consubstanciam obrigação de se registrar no CRA/RJ e se submeter à regulamentação e à fiscalização daquele conselho profissional.
Inicial e documentos no evento 2, INIC1, fls. 2 a 15.
Postergada a apreciação do pedido de tutela provisória (evento 4).
Contestação no evento 21, acompanhada de documentos e pugnando pela improcedência da pretensão autoral.
Petição e documento apresentados pela parte autora no evento 28.
Nenhuma das partes requereu a produção de outras provas.
É o relatório.
Decido, nos termos autorizados pelo art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, eis que o feito já se encontra suficientemente instruído para a prolação de sentença. Ademais, como mencionado no relatório, nenhuma das partes requereu a produção de outras provas.
Dito isso e não havendo preliminares, passo diretamente à análise do mérito e, ao fazê-lo, constato não assistir razão à autora. Senão, vejamos.
Cinge-se a controvérsia na obrigatoriedade ou não de registro no CRA, considerando o objeto social da autora, consignado na cláusula terceira de seu contrato social (evento 2, fls. 11):
Conforme se depreende do processo administrativo relacionado ao objeto da ação (evento 21, PROCADM2), a Solucion Consultoria Empresarial Ltda. foi autuada por falta de registro no Conselho Regional de Administração, eis que – segundo o réu – há “indicio de desempenho de atividades oriunda da Ciência da Administração, pela fiscalizada, em sua prestação de serviços, conforme atividades presentes em seu Cartão CNPJ” (evento 21, PROCADM2, fls. 5).
Argumenta a autora que não se enquadra nas hipóteses legais que obrigam o registro de empresa junto ao CRA/RJ, alegando que seu objeto social distingue-se da atividade de administrador, bem como que a atividade básica da sociedade não guarda relação direta com a ciência da administração.
A obrigatoriedade de inscrição de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões é determinada pela Lei nº 6.839/1980, cujo art. 1º diz:
Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
Por sua vez, o objeto da atividade profissional do Administrador é definido pelo art. 2º da Lei nº 4.769/1965, nos seguintes termos:
Art. 2º. A atividade profissional de Administrador1 será exercida, como profissão liberal ou não, mediante:
a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;
b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle de trabalhos nos campos da administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos.
Ora, é incontroverso que a competência fiscalizatória do CRA/RJ restringe-se aos profissionais e empresas que exercem atividades e atribuições inerentes à Administração, nos termos da legislação de regência. Entender diferente significa admitir que o Poder Público – sob a forma de entidade com feições autárquicas – atue independentemente de previsão legal, consagrando prática avessa a nosso ordenamento jurídico e afrontosa ao Estado Democrático de Direito.
Sobre o tema, veja-se a seguinte lição:
A atividade administrativa deve ser desenvolvida nos termos da lei. A Administração só pode fazer o que a lei autoriza: todo ato seu há de ter base em lei, sob pena de invalidade. […] Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: o que a lei não lhe concede expressamente, nega-lhe implicitamente. Todo poder é da lei; apenas em nome da lei se pode impor obediência. Por isso, os agentes administrativos não dispõem de liberdade – existente somente para os indivíduos considerados como tais – mas de competências, hauridas e limitadas na lei.2
No que toca aos conselhos regionais e correspondentes registros, é o desenvolvimento de atividade básica ou de serviços prestados a terceiros, próprios da profissão por eles disciplinada, que enseja a vinculação de pessoa natural ou jurídica e, consequentemente, a incidência da ação regulamentadora e fiscalizadora própria de tais entidades de natureza assemelhada à autárquica.
Portanto, o que torna compulsório e indispensável o registro no CRA/RJ é a atividade básica da pessoa jurídica ser característica de profissional de Administração, nos termos do acima transcrito artigo 2º da Lei nº 4.769/1965. Dito de outro modo, é a atividade preponderante que configura a obrigatoriedade de inscrição no conselho, pouco importando, para esse fim, a existência ou não de atividades-meio ou atividades secundárias.
No caso concreto, não há como considerar que a atividade econômica principal da autora é diferente da consignada no objeto social e no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ (evento 2, fls. 7):
Código 70.20-4-00
Atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica.
Nessas circunstâncias, tendo em vista que, em termos semânticos, “gestão empresarial” é sinônimo de “administração de empresas” e que, na prática, tampouco faz sentido diferenciar uma atividade da outra, revela-se inequívoca a obrigatoriedade de inscrição da autora no Conselho de Administração.
Sobre o tema e referendando a tese esposada, vale a transcrição parcial de voto proferido pelo Desembargador Federal Alcides Martins Ribeiro Filho, no julgamento do agravo de instrumento n° 0009648-50.2016.4.02.0000:
Na hipótese vertente, o contrato social da agravante (fls. 37/40), em sua cláusula segunda elenca como objeto social da pessoa jurídica “a atividade de prestação de serviços de assessoria, consultoria e projetos, bem como a elaboração e avaliação de planos estratégicos de negócios”. No mesmo sentido, o comprovante de inscrição da empresa no cadastro nacional de pessoas jurídicas – CNPJ (fl. 35), no campo “atividade econômica principal”, registra a seguinte descrição: “atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica”. A referida atividade está registrada no CNPJ sob o código 7020-4-00, que, segundo a classificação nacional de atividades econômicas (CNAE), elaborada sob a coordenação da Secretaria da Receita Federal e com orientação técnica do IBGE, se refere aos “serviços de assessoria, consultoria, orientação e assistência operacional para a gestão do negócio prestados a empresas e a outras organizações, em matéria de planejamento, organização, informação, gestão, etc; (…)”. Da análise das atividades desenvolvidas pela empresa e as referidas na Lei nº 4.769/65 e no Decreto nº 61.934/67, verifica-se que o objetivo preponderante da referida sociedade configura atividade privativa de profissional da administração, pois, até mesmo de modo intuitivo, se associam ao ato de administrar. É de domínio público que o verbete gestão está intrinsecamente ligado ao termo administração, assim como todas as atividades elencadas no contrato social da empresa, não havendo como se sustentar interpretação em sentido diverso. Deste modo, é cabível a atuação do CRA, que, nos termos do art. 8º, alínea “b” e 16, alínea “a”, da Lei nº 4.769/65, tem legitimidade para impor multas no exercício de sua fiscalização. De acordo com as Resoluções nºs 334 e 337 de 2006, expedidas pelo CRA, havendo fundada suspeita de que uma empresa esteja sujeita a registro obrigatório, na forma do art. 15 da Lei nº 4.769/65, o conselho pode requisitar-lhe as informações que entender necessárias para confirmar se é ou não caso de sua atuação institucional, podendo aplicar, nos casos de omissão, a pena de multa”.
No mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados do Tribunal Federal Regional da 2ª Região:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA POR AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO EM CONSELHO PROFISSIONAL. ATIVIDADE ECONÔMICA PRIVATIVA DE ADMINISTRAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido liminar objetivando a suspensão da exigibilidade de multa aplicada pelo Conselho Regional de Administração do Estado do Rio de Janeiro – CRA/RJ, relativa à ausência de inscrição na referida autarquia. 2. O art. 15 da Lei nº 4.769/65 determina que as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades de administrador serão obrigatoriamente registrados no Conselho Regional de Administração. 3. O comprovante de inscrição da empresa no cadastro de pessoas jurídicas – CNPJ no campo “atividade econômica principal”, registra “atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica”, o que se coaduna com as atividades referidas na Lei nº 4.769/65 e no Decreto nº 61.934/67, verificando-se, desta forma, que o objetivo preponderante da referida sociedade configura atividade privativa de profissional da administração, pois, até mesmo de modo intuitivo, se associam ao ato de administrar, razão que enseja a manutenção da decisão recorrida. 4. Agravo de instrumento desprovido.3
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA POR SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÃO/DOCUMENTO. ATIVIDADE ECONÔMICA PRIVATIVA DE PROFISSIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. CDA. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E HIGIDEZ. NÃO AFASTADA. 1. Na sentença, objeto da presente apelação, o juízo de piso julgou procedentes os embargos devedor opostos por Semper Consultoria e Participações Ltda. com vistas a impugnar execução fiscal promovida pelo Conselho Regional de Administração do Estado do Rio de Janeiro – CRA/RJ, relativa ao pagamento de multa por sonegação de informação/documento. 2. O art. 15 da Lei nº 4.769/65 determina que as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades de administrador serão obrigatoriamente registrados no Conselho Regional de Administração. 3. O comprovante de inscrição da empresa no cadastro nacional de pessoas jurídicas – CNPJ, no campo “atividade econômica principal”, registra “atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica”, registrada no CNPJ sob o código 7020-4- 00, que, segundo a classificação nacional de atividades econômicas (CNAE), elaborada sob a coordenação da Secretaria da Receita Federal e com orientação técnica do IBGE, se refere aos “serviços de assessoria, consultoria, orientação e assistência operacional para a gestão do negócio prestados a empresas e a outras organizações, em matéria de planejamento, organização, informação, gestão, etc; (…)”. 4. Da análise das atividades desenvolvidas pela empresa e as referidas na Lei nº 4.769/65 e no Decreto nº 61.934/67, verifica-se que o objetivo preponderante da referida sociedade configura atividade privativa de profissional da administração, pois, até mesmo de modo intuitivo, se associam ao ato de administrar. 5. De acordo com as Resoluções nºs 334 e 337 de 2006, expedidas pelo CRA, havendo fundada suspeita de que uma empresa esteja sujeita a registro obrigatório, na forma do art. 15 da Lei nº 4.769/65, o conselho pode requisitar-lhe as informações que entender necessárias para confirmar se é ou não caso de sua atuação institucional, podendo aplicar, 1 nos casos de omissão, a pena de multa. 6. Em consulta ao sítio Receita Federal realizada em 01/12/2014 (fl. 54), observa-se que a empresa possui situação cadastral ativa desde 03/11/2005. 7. Não restou comprovado que as notificações/intimações tenham sido recebidas por pessoa estranha à empresa, observando que foram realizadas no logradouro constante no CNPJ. 8. O art. 3º, da Lei nº 6.830/80, dispõe que a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez, competindo ao executado o ônus de provar, de forma inequívoca, a inexigibilidade total ou parcial da quantia que está sendo cobrada, o que não ocorreu no caso vertente. 9. Apelação provida para reformar a sentença reconhecendo a exigibilidade do crédito executado.4
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região firmou idêntico entendimento:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SÃO PAULO. ATIVIDADE EM CONSULTORIA EM GESTÃO EMPRESARIAL, EXCETO CONSULTORIA TÉCNICA ESPECÍFICA. REGISTRO. NECESSIDADE. 1. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei nº 6.839/80, a exigência de registro em conselho profissional está subordinada à atividade básica da empresa ou em relação àquela pela qual presta serviços a terceiros. 2. O impetrante tem por objeto social: atividade em consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica. 3. É entendimento deste Tribunal que as atividades desenvolvidas pelo impetrante sujeitam-no ao registro junto ao Conselho Regional de Administração. 4. Apelação parcialmente provida para afastar a r. sentença que não apreciou o mérito e, neste, nos termos do art. 515, § 3º do CPC/1973, julgar improcedente o pedido.5
Em suma, na hipótese vertida nos autos, restou comprovado que a atividade preponderante da autora insere-se nas atribuições precípuas de profissional da administração, o que caracteriza a obrigatoriedade de registro no CRA/RJ. A hipótese é, portanto, de total improcedência das pretensões autorais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido.
Custas na forma da lei.
Condeno a autora ao pagamento de honorários, que fixo em 10% do valor atualizado da causa.
Intimem-se (TRF2 – 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, PROCEDIMENTO COMUM Nº 5015276-50.2019.4.02.5101/RJ, Juiz Federal FABIO TENENBLAT, Data de Julgamento:16/12/2020, Data de Publicação:18/12/20)*.