O CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – CRA/ES propôs Ação Civil Pública em face do IDCAP INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E CAPACITACAO e MUNICÍPIO DE SÃO ROQUE DO CANAÃ/ES, objetivando, em sede liminar, “nos moldes do art. 2º, da Lei nº 8.437/92, o deferimento de antecipação de tutela consistente em impor às Rés a seguinte obrigação, sob pena de pagamento de multa, cujo valor deverá ser fixado, por descumprimento: a) Inserir no edital a exigência do diploma registrado de Curso de Graduação de nível superior em Administração, fornecido por instituição de ensino reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), e registro no Conselho Regional da categoria (CRA), como forma de provimento ao cargo de AUDITOR INTERNO, devendo este Juízo determinar a suspensão do concurso, até que sejam sanadas as ilegalidades apontadas no edital e refeito o calendário do concurso”.
O Conselho Regional de Administração aduz que possui competência para disciplinar, fiscalizar e julgar o exercício profissional da administração, compreendendo não apenas a prática propriamente dita como também os meios e modos de sua execução, conforme expresso no no artigo 8º da Lei número 4769/65.
Narra que, em 12/03/2020, a Prefeitura Municipal de São Roque do Canaã, divulgou o Edital nº 001/2020 (cópia anexa) para realização de concurso público, e preenchimento de 01 (uma) vaga ao cargo de Auditor Público Interno, com oportunidade para os detentores de ensino superior em ciências contábeis ou direito e registro no respectivo conselho ou ordem.
Defende que as atribuições do cargo, conforme expresso no edital, remete em grande parte às diretrizes fundamentais dos campos regulamentados pela Lei do Administrador (Lei 4769/65), inclusive abrangendo campos privativos e exclusivos deste profissional, visando basicamente garantir a manutenção e controle das regras de gestão organizacional.
(…)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, devidamente intimado, ressaltou que o referido concurso público é decorrente do cumprimento de TAC celebrado com “este Parquet Federal nos autos da ACP n.º o 2017.50.05.028735-3. De acordo com o cronograma do concurso, a data prevista para realização das provas objetivas seria dia 10 de maio de 2020. Entretanto, o Ente Municipal informou ao MPF que, diante da pandemia mundial, todos os trabalhos estariam suspensos, sendo impossível a aplicação das provas na data prevista”. O MPF pontuou ainda que “Em análise prévia, são razoáveis os argumentos apresentados pela Autarquia, visto que as atribuições do cargo de auditor público interno, estipuladas no anexo II do Edital n.º 001/2020, remetem em grande parte às diretrizes fundamentais dos campos regulamentados pela Lei 4.769/65 (Lei do Administrador), notadamente, em seu art. 2º”.
(…)
O MUNICÍPIO DE SÃO ROQUE DO CANAÃ destacou que entende que não deveria haver obrigatoriedade de afastar não só os administradores como também os economistas da possibilidade de concorrerem ao cargo de AUDITOR INTERNO. Porém o fez em virtude da rejeição da Câmara Legislativa.
Em síntese, é o relato. DECIDO, observando-se os termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Inicialmente, deve ser destacado que a Constituição estabelece, como regra, a liberdade de exercício das profissões, consoante disposto em artigo 5º, inciso XIII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Percebe-se que se trata de norma constitucional de eficácia contida, que produz efeitos de imediato, podendo, contudo, ter seu alcance restringido por normas infraconstitucionais. Porém, as normas que restrigem a liberdade do exercício das profissões são de competência privativa da UNIÃO, nos termos do artigo 22, inciso XVI, da Carta da República, in verbis:
(…)
Dessume-se que o ingresso em cargos públicos, por meio de concurso, deverá observar a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.
(…)
Cotejando o teor das disposições constantes do artigo 2º da Lei número 4.769/65 com as atribuições esperados para o cargo de Auditor Público Interno, verifica-se que não há razão para inibir a participação dos administradores do certame.
A essa mesma conclusão chegaram o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o próprio MUNICÍPIO DE SÃO ROQUE DO CANAÃ. O primeiro a afirmar que “Em análise prévia, são razoáveis os argumentos apresentados pela Autarquia, visto que as atribuições do cargo de auditor público interno, estipuladas no anexo II do Edital n.º 001/2020, remetem em grande parte às diretrizes fundamentais dos campos regulamentados pela Lei 4.769/65 (Lei do Administrador), notadamente, em seu art. 2º” e o segundo a destacar que “Entende o Município que não há obrigatoriedade em afastar os administradores, como também economistas, dos cargos mas, por força da rejeição legislativa, teve que lançar o cargo para concurso na forma da Lei Municipal, sob pena de atropelar as disposições do TAC e seu aditivo, firmado com a Procuradoria Federal de Colatina.”
O Município de SÃO ROQUE DO CANAÃ não tem competência para limitar o âmbito de atuação dos administradores, principalmente levando-se em consideração a flagrante violação da competência privativa da União Federal (art. 22, XVI da CRFB) ao excluir os administradores do rol de profissionais habilitados a exercer o cargo de Auditor Público Interno.
Repise-se que a regra é sempre a liberdade profissional (Art. 5º, XIII da CRFB) e, quando houver a restrição, esta deve ser feita por lei formulada de acordo com a divisão orgânica de competências legislativas da CRFB/88.
O Município demandado possui competência legislativa para dispor sobre o cargo municipal de Auditor Público Interno, fixando suas atribuições e delimitando seu âmbito de atuação de acordo com as suas próprias peculiaridades administrativas (cf. art. 30, I da CRFB), haja vista tratar-se de matéria típica de Direito Administrativo, relacionada à capacidade de auto-organização inerente a cada ente federativo, por meio de edição de lei.
Ocorre que, após delimitar as atribuições e competências do cargo público, o Ente Município não pode escolher arbitrariamente quais profissionais estariam habilitados a ocupar o referido cargo, sob pena de limitar indevidamente o livre exercício das profissões e invadir competência legislativa privativa da União, não havendo discricionariedade neste ponto.
Tal moldura fática justifica a concessão da tutela de urgência pleiteada, na medida em que se evidencia um perigo de dano aos candidatos que tiveram sua participação ilegalmente cerceada, assim como verifico o risco ao resultado útil do processo por conta da proximidade de realização do certame público.
Por todo o exposto, com espeque no art. 300 do CPC e no art. 12 da Lei nº 7.347/85, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para DETERMINAR:
1) A retificação do Edital do º 001/2020 DE 12 DE MARÇO DE 2020 – CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE VAGAS DO QUADRO DE PESSOAL PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO ROQUE DO CANAÃ – ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, para que seja incluído o profissional de administração no rol de profissionais habilitados a concorrer ao cargo de Auditor Público Interno, mediante a exigência de diploma registrado de Curso de Graduação de nível superior em Administração, fornecido por instituição de ensino reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), e registro no Conselho Regional da categoria (CRA);
2) A suspensão do andamento do concurso regido pelo Edital nº 001/2020 DE 12 DE MARÇO DE 2020 – CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE VAGAS DO QUADRO DE PESSOAL PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO ROQUE DO CANAÃ – ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, apenas em relação ao cargo de Auditor Público Interno, até as alterações necessárias no edital; 3) A reabertura do prazo de inscrição, apenas para o cargo de Auditor Público Interno, pelo prazo de 30 (trinta) dias. Em respeito ao princípio da isonomia, determino que o novo prazo de inscrições para o cargo de Auditor Público Interno deve respeitar o mesmo período mínimo entre a data de início e fim do prazo de inscrições (30 dias) previsto no Edital de abertura do concurso (nº 001/2020), em seu Anexo 1 – Cronograma;
(…)
(TRF2– 1ª Vara Federal de Colatina, AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5001010-21.2020.4.02.5005/ES. Juiz Federal MARCELO DA ROCHA ROSADO, Decisão de: 4/5/2020).*