Da Agência O Globo
Publicado em 13/09/2015, às 15h33
“Acredito que a razão de haver tanto interesse por nosso programa vem do fato de o Brasil ter despontado como uma potência global”, acredita Eimicke
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William Eimicke leciona no mestrado executivo em Gestão Pública do Columbia Global Center carioca e afirma que o Brasil tem funcionários públicos dedicados e inteligentes. O que falta, afirma, são ferramentas para melhorar a gestão e, principalmente, a adoção de “contratos abertos, competitivos e transparentes”, que inibam a corrupção. Ele afirma que as estatais e as empresas de capital misto são mais vulneráveis à ineficiência. Na primeira turma do mestrado executivo voltado exclusivamente para gestores brasileiros, e que tem aulas no Rio e em Nova York, houve 200 inscrições, mas só 25 alunos foram selecionados, num sinal da busca por profissionalização. As inscrições para a próxima turma vão até novembro. E o modelo criado no Brasil deverá ser replicado para alunos de China, Índia e Oriente Médio a partir de 2016.
AG – Por que escolher o Brasil para implementar um curso de gestão pública de Columbia?
William – O número de problemas no setor público é extenso. Acredito que a razão de haver tanto interesse por nosso programa vem do fato de o Brasil ter despontado como uma potência global. Acho que existe pressão para elevar a qualidade da gestão pública e que o governo dê respostas a problemas que persistem há tempos. No geral, o Brasil tem se saído bem. Fez um bom trabalho em relação à Copa do Mundo e tem programas inovadores de combate à pobreza. Mas há muitos desafios. As relações entre os setores público e privado nem sempre foram boas. Existem questões de corrupção e ineficiência em áreas como transporte de massa.
AG – É uma tendência investir na profissionalização da gestão pública?
William – O setor privado tem expertise e tecnologia melhores que o setor público. O que vemos no caso da Petrobras, por exemplo, vem do problema de se ter funcionários públicos com ética e integridade, mas um sistema falho. No Brasil, e não raro na América Latina, existe uma crença de que a lei previne a corrupção. São elaboradas leis e penas fortes para crimes de corrupção e se acredita que isso resolverá o problema. Mas o que se vê é que leis rígidas não resolvem problemas se existem pessoas dos dois lados, público e privado, dispostas a driblar a legislação.
AG – O problema está nas pessoas que ignoram a lei?
William – Tem a ver com honestidade e confiança, com leis mais eficazes, mas também com a elaboração de contratos mais abertos, competitivos e transparentes. Você pode criar as melhores leis do mundo. As pessoas honestas vão segui-las; as desonestas vão ignorá-las. Quanto mais o público e a mídia conhecem os detalhes de um contrato, menores as chances de haver corrupção. É que dessa forma você toma conhecimento de todos os números e pode checar a que estão ou não relacionados. Se o processo é competitivo, as companhias honestas levam vantagem sobre as desonestas, que tendem a acobertar ou esconder propinas em suas propostas. Se o processo é aberto, a oferta será mais baixa, porque não é preciso pagar pela corrupção. É uma das coisas que vêm de um programa como o nosso, focado em elaborar sistemas que funcionam melhor, em vez de insistir na ideia de que a lei funciona. Não estou duvidando da boa intenção de leis anticorrupção. A teoria está correta. Na prática, não funcionam.
AG – O ambiente de negócios, então, também é importante?
William – O ambiente de negócios e a gestão. O governo precisa de pessoas que sejam especialistas em gerenciamento de contratos, em elaborar bons contratos, que sejam abertas e honestas para debater com a mídia e o público. Existe um outro ponto em que é preciso focar: comunicação. Boa gestão de comunicação e processos abertos são fundamentais quando se precisa de competidores de todo o mundo.
AG – No Brasil, muitas estatais foram usadas com objetivos políticos. Isso também é um problema de gestão pública?
William – É um ponto muito importante. Nas últimas três ou quatro décadas, houve uma evolução no sentido do que era estritamente público ou estritamente privado. Vemos mais e mais modelos mistos, não apenas no Brasil, mas em Índia e China. Esses modelos mistos, em que as companhias são em parte públicas e em parte privadas, são particularmente vulneráveis à corrupção e à ineficiência, porque não fica suficientemente claro qual a missão da empresa. Essa missão consiste em maximizar a eficiência e fazer o melhor trabalho para ampliar os resultados? Ou seria levar adiante os objetivos políticos dos sócios estatais ou de pessoas do setor público que tratam da legislação que em parte governa a empresa? Então, algo que fazemos em nosso programa é buscar modelos em todo o mundo e entender quais são os bem-sucedidos.
AG – A crise pode ser uma oportunidade de rever nossos sistemas de gestão?
William – Sim, é exatamente isso. O Brasil é um país único no mundo. Na China, em mandarim,a palavra crise é composta de dois símbolos: um significa perigo; o outro, oportunidade. Agora, a crise que o Brasil enfrenta é também uma grande oportunidade para o país realmente modernizar suas leis, se abrir para ser mais transparente em processos, competitivo e enfatizar o uso das melhores práticas internacionais de gestão. Isso não é tão difícil de ser feito. Tive a chance de trabalhar com muitas pessoas do setor público do país nos últimos três anos e elas são extraordinárias, dedicadas, inteligentes. Precisam da ferramenta, de mais conhecimento sobre as melhores práticas.
AG – E o ajuste fiscal?
William – Eu trabalhei como funcionário público em Nova York nos anos 1970, quando a cidade quase quebrou e era uma das mais perigosas no mundo. Estava muito mal financeiramente e socialmente. No entanto, quando se olha para Nova York agora o que se vê é uma das cidades mais bem geridas do mundo. O que mudou? A profissionalização do governo, o foco em práticas fiscais saudáveis para garantir Orçamento equilibrado ano após ano. Parte do que está acontecendo com a moeda brasileira neste momento é reflexo de o mundo pensar que mesmo os números que vemos provavelmente não são fidedignos. Em outras palavras, trata-se de uma crise de credibilidade. Acho que o Brasil tem condições de tomar decisões e reformar seu sistema público. É importante punir pessoas, mas é ainda mais importante adotar práticas que garantam boa gestão para seguir adiante. Acredito que, uma vez que isso ocorra e considerando os fundamentos do Brasil — recursos naturais, o sistema educacional, o sistema de saúde, um bom programa de ajuda aos pobres — o futuro do país é ilimitado.
Fonte: http://noticias.ne10.uol.com.br/economia/noticia/2015/09/13/profissionalizacao-do-governo-ajuda-a-equilibrar-contas-diz-especialista-568282.php