R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo Conselho Regional de Administração do Estado da Bahia em face da sentença proferida na Execução Fiscal n. 0000456- 82.2019.4.01.3309, que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, ao fundamento de que o crédito exequendo era inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em razão do Tema 1.184 do STF e da Resolução CNJ n. 547/2024.
Sustenta o apelante que “Tem-se, contudo, a inaplicabilidade da nova norma à presente execução em razão do princípio da especialidade, considerando que o Exequente é um Conselho de Fiscalização profissional e segue, além da Lei nº 6.830/80, os ditames da Lei nº 12.514/2011”.
Aduz, ainda, que “na existência de uma lei especial que estabelece o valor mínimo para o ajuizamento das execuções fiscais pelos Conselhos de Fiscalização, não há como se acolher o novo valor determinado na citada resolução, dada a natureza hierarquicamente inferior desta, sob pena de afronta aos princípios da especialidade e da legalidade.”.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
V O T O
Apelação que preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Mérito
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.355.208, submetido ao regime da Repercussão Geral, fixou a tese no sentido de que “é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado” (Tema 1.184).
E o Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o art. 20 da Lei n. 10.522/2002, fixou a seguinte tese (Tema 125): “As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.”.
Ao regulamentar a tese fixada pelo STF, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n. 547/2024, que determina:
Art. 1º (…)
- 1º Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis.
Ocorre que, em se tratando de execução fiscal ajuizada por conselho profissional, há circunstância que justifica um “distinguishing” em relação ao disposto no Tema 1.184 do STF e na Resolução CNJ n. 547/2024, pois aqui se busca o pagamento de anuidades devidas a conselho profissional, cuja condição de procedibilidade, em relação ao valor, já se encontra estabelecida no art. 8º da Lei n. 12.514/2011.
Prevalece, na hipótese, o entendimento geral de que os conselhos de fiscalização profissional, em atenção ao princípio da especificidade, atenderão aos termos da Lei n. 12.514/2011, in verbis:
Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total
inferior a5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º. (Redação dada pela Lei nº
14.195, de 2021)
§ 1º O disposto no caput deste artigo não obsta ou limita a realização de
medidas administrativas de cobrança, tais como a notificação
extrajudicial, a inclusão em cadastros de inadimplentes e o protesto de
certidões de dívida ativa. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)
§ 2º – Os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput deste
artigo serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções
fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de
setembro de 1980. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)
Nesse sentido, cito precedentes deste Tribunal:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL.
EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO
PROFISSIONAL. TEMA 1.184 DO STF. RESOLUÇÃO CNJ Nº
547/2024. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.
APELAÇÃO PROVIDA.
I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo Conselho Regional de
Corretores de Imóveis da 9ª Região CRECI/BA contra sentença que
extinguiu a execução fiscal, reconhecendo a ausência de interesse de
agir, com fundamento no Tema 1.184 do STF e na Resolução CNJ nº
547/2024. A execução fiscal, ajuizada para cobrança de crédito inferior a
R$ 10.000,00, não apresentou localização de bens penhoráveis.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia centra-se na
aplicabilidade da tese fixada no Tema 1.184 do STF e da Resolução
CNJ nº 547/2024 às execuções fiscais promovidas pelos Conselhos
Regionais de Fiscalização Profissional, considerando a existência de
legislação específica.
III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O julgamento do Tema 1.184 pelo STF
determinou a extinção de execuções fiscais de baixo valor pela ausência
de interesse de agir, condicionado ao princípio da eficiência
administrativa. No entanto, tal entendimento não se aplica às execuções
fiscais promovidas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional, em
razão do princípio da especialidade. 4. A Lei nº 12.514/2011, que
regulamenta as execuções fiscais dos Conselhos Profissionais,
estabelece critérios específicos, incluindo o valor mínimo para
ajuizamento. A extinção da execução com base na Resolução CNJ nº
547/2024 prejudicaria a sustentabilidade das entidades, cuja receita é
composta exclusivamente pelas anuidades e multas. 5. Precedentes do
Superior Tribunal de Justiça e de tribunais regionais reforçam a
inaplicabilidade do Tema 1.184 e da Resolução CNJ nº 547/2024 às
execuções fiscais dessas entidades, destacando que tais normativas se
dirigem apenas a créditos de entes federativos.
IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Apelação provida.
Tese de julgamento: “1. A Resolução CNJ nº 547/2024 e a tese fixada no
Tema 1.184 do STF não se aplicam às execuções fiscais promovidas
pelos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional, regidas por
legislação específica (Lei nº 12.514/2011). 2. O princípio da
especialidade prevalece sobre normas gerais, garantindo o
prosseguimento das execuções fiscais dessas entidades, mesmo em
casos de baixo valor.”
Legislação relevante citada: Lei nº 6.830/1980, art. 1º; Lei nº
12.514/2011, art. 8º; CPC, art. 485, VI.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE 1.355.208/SC (Tema 1.184);
STJ, REsp 1.363.163/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, 11/09/2013
(Tema 612); TRF3, ApCiv 5000495-54.2021.4.03.6126, rel. Des. Giselle
de Amaro e Franca, 18/11/2024.
(AC 0003172-39.2015.4.01.3304, Juiz Federal WAGNER MOTA ALVES
DE SOUZA, TRF1 – Décima-Terceira Turma, PJe 19/12/2024).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
EXTINÇÃO. ANUIDADES. VALOR IRRISÓRIO. CONSELHO DE
FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 1.184 DO
STF. RESOLUÇÃO N. 547/2024 DO CNJ. DISTINGUISHING.
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ART. 8º DA LEI N. 12.514/2011.
APELAÇÃO PROVIDA.
1. Cuida-se de apelação interposta pelo Conselho Regional de Farmácia
do Estado de Goiás em face da sentença proferida na Execução Fiscal
n. 0003053-48.2015.4.01.3508, que julgou extinta a execução pela falta
de interesse processual, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Extraordinário n. 1.355.208, submetido ao regime da Repercussão
Geral, fixou a tese no sentido de que “é legítima a extinção de execução
fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o
princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a
competência constitucional de cada ente federado” (Tema 1.184). E o
Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o art. 20 da Lei
n.10.522/2002, fixou a seguinte tese (Tema 125): “As execuções fiscais
relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais)
devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.”.
3. Ao regulamentar a tese fixada pelo STF, o Conselho Nacional de
Justiça aprovou a Resolução n. 547/2024, que determina a extinção das
“execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)
quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de
um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham
sido localizados bens penhoráveis”.
4. Ocorre que, em se tratando de execução fiscal ajuizada por conselho
profissional, há circunstância que justifica um “distinguishing” em
relação ao disposto no Tema 1.184 do STF e na Resolução CNJ n.
547/2024, pois aqui se busca o pagamento de anuidades devidas a
conselho profissional, cuja condição de procedibilidade, em relação ao
valor, já se encontra estabelecida no art. 8º da Lei n. 12.514/2011.
5. Prevalece, na hipótese, o entendimento geral de que “os Conselhos
não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens
previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o
constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto
no seu § 1º” (art. 8º da Lei n. 12.514/2011).
6. Assim, justifica-se o prosseguimento do feito, sob pena de inviabilizar
que os conselhos profissionais recebam os valores que lhe são devidos,
pois dificilmente as anuidades não pagas superariam o patamar mínimo
de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
7. Em conclusão, não é possível decretar, de ofício, a extinção das
execuções fiscais cujo valor seja considerado baixo ou irrisório com
base na suposta inexistência de interesse de agir, notadamente quando
o conselho profissional afirma possuir interesse no prosseguimento da
execução fiscal que, quando ajuizada, atendia ao valor mínimo exigido
no art. 8º da Lei n. 12.514/2011.
8. No caso dos autos, em se tratando de execução fiscal ajuizada pelo
CRF/GO, conselho de fiscalização profissional, não há falar em extinção
da execução de ofício pelo juízo.
9. Apelação provida.
(AC 0003053-48.2015.4.01.3508, Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 – Décima-Terceira Turma, PJe
19/12/2024).
Assim, justifica-se o prosseguimento do feito, sob pena de inviabilizar que os conselhos profissionais recebam os valores que lhe são devidos, pois dificilmente as anuidades não pagas superariam o patamar mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Ressalte-se, ademais, que ao prevalecer entendimento contrário, estar-se-ia, por parte do Poder Judiciário, estimulando a inadimplência das anuidades dessas autarquias, já que as respectivas execuções estariam condenadas à extinção.
Em conclusão, não é possível decretar, de ofício, a extinção das execuções fiscais cujo valor seja considerado baixo ou irrisório com base na suposta inexistência de interesse de agir, notadamente quando o conselho profissional afirma possuir interesse no prosseguimento da execução fiscal que, quando ajuizada, atendia ao valor mínimo exigido no art. 8º da Lei n. 12.514/2011.
No caso dos autos, em se tratando de execução fiscal ajuizada pelo CRA/BA, conselho de fiscalização profissional, não há falar em extinção da execução de ofício pelo juízo.
Conclusão
Em face do exposto, dou provimento à apelação do CRA/BA, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, para seu regular processamento.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXTINÇÃO POR VALOR IRRISÓRIO. INAPLICABILIDADE DO TEMA 1.184 DO STF E DA RESOLUÇÃO 547/2024 DO CNJ. DISTINGUISHING. APLICABILIDADE DO ART. 8º DA LEI N. 12.514/2011. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta pelo Conselho Regional de Administração do Estado da Bahia contra sentença proferida na Execução Fiscal n. 0000456-82.2019.4.01.3309, que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, ao fundamento de que o crédito exequendo era inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em razão do Tema 1.184 do STF e da Resolução CNJ n. 547/2024.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Discute-se a possibilidade de extinção de ofício de execução fiscal ajuizada por conselho profissional com base na suposta inexistência de interesse processual, em razão do valor do crédito exequendo ser inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. No julgamento do Tema 1.184, sob a sistemática da Repercussão Geral (RE n. 1.355.208/SC), o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse processual, respeitada a competência de cada ente federado.
4. Em regulamentação à tese fixada pelo STF, a Resolução CNJ n. 547/2024 dispõe que devem ser extintas execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil) quando não haja movimentação útil por mais de um ano, sem citação do executado ou quando, ainda que citado, não forem localizados bens penhoráveis.
5. Contudo, em se tratando de execução fiscal ajuizada por conselho profissional, há circunstância que justifica um distinguishing em relação ao Tema 1.184 do STF e à Resolução CNJ n. 547/2024, pois as anuidades devidas a conselhos de fiscalização profissional possuem condição de procedibilidade própria, prevista no art. 8º da Lei n. 12.514/2011.
6. O art. 8º da Lei n. 12.514/2011 estabelece que os conselhos profissionais não executarão judicialmente dívidas inferiores a cinco vezes o valor da anuidade, observado o reajuste anual pelo INPC.
7. O entendimento do STJ, REsp n. 2.043.494/SC, é de que os conselhos profissionais possuem legislação específica para cobrança de seus créditos, a qual fixa o teto mínimo para ajuizamento de execução fiscal como condição de procedibilidade.
8. No caso concreto, o valor exequendo é superior ao limite estabelecido na Lei n. 12.514/2011, justificando-se o prosseguimento da execução fiscal.
9. Extinguir execuções fiscais ajuizadas por conselhos profissionais com fundamento exclusivo na suposta irrisoriedade do crédito implicaria violação à legislação específica e incentivo à inadimplência, notadamente quando o conselho profissional afirma possuir interesse no prosseguimento da execução fiscal.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Apelação provida, para anular a sentença e determinar o prosseguimento da execução fiscal.
Tese de julgamento: “Os conselhos de fiscalização profissional estão submetidos ao limite de ajuizamento previsto no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, não se lhes aplicando a tese firmada no Tema 1.184 do STF e na Resolução CNJ n. 547/2024.”
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 12.514/2011, art. 8º; CPC, art. 485, VI. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 1.355.208, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j. 18.08.2023 (Tema 1.184); STJ, REsp 2.043.494, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 14.02.2023; TRF-1, AC 0003172-39.2015.4.01.3304, Rel. Juiz Federal Wagner Mota Alves de Souza, 13ª Turma, j. 19/12/2024; TRF-1, AC 0003053-48.2015.4.01.3508, Rel. Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 13ª Turma, j. 19/12/2024.
A C Ó R D Ã O
Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação.
[…]
(TRF1- APELAÇÃO CÍVEL, PROCESSO: 0000456-82.2019.4.01.3309, Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, julgado em: 08/05/2025)
