Disseminado no exterior, movimento tem conseguido adeptos no Brasil e pode impactar economia das empresas e dos países
Por Leon Santos
Classificado por especialistas como um dos fenômenos laborais mais expressivos ocorridos no mercado de trabalho nos últimos cem anos, a ‘Grande Renúncia’ (em inglês, Great Resignation) já pode ser considerada uma realidade em todo o mundo. E os números comprovam que ela já pode ser considerada uma tendência.
Nos primeiros cinco meses de 2020, mais de 20 milhões de norte-americanos largaram voluntariamente seus empregos, segundo dados do Departamento do Trabalho dos EUA. O que poderia ser considerado ser um efeito momentâneo — causado pela pandemia — consolidou-se dois anos depois, quando em apenas um mês (março de 2022), mais de 4,5 milhões de pessoas repetiram o gesto no mesmo país.
No Brasil o fenômeno não foi diferente, conforme levantamento da ‘Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)’ realizado com dados do ‘Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged/ IBGE)’. Mesmo com o alto desemprego nacional, 2,9 milhões de pessoas largaram seus postos de trabalho, em busca de objetivos diversos tais como autorrealização, qualidade de vida e reconhecimento.
De acordo com a administradora e pós-doutora em Ciências Comportamentais, Luciane Albuquerque, a “Grande Renúncia” teve início nos EUA, em 2020, durante a pandemia de Covid-19. Os motivos dos pedidos de demissão aconteceram em razão de os colaboradores não se sentirem mais identificados com o modelo de trabalho presencial e com as condições às quais se sujeitavam antes do isolamento social.
Para a pesquisadora, o período pandêmico serviu de base para muitos repensarem suas atividades e prioridades, e até mesmo a maneira como conduziam suas vidas em âmbito pessoal e profissional. Entre as principais razões relatadas estão a busca por autorrealização e melhor qualidade de vida.
“Foi um divisor de águas para muitos, pois aquelas pessoas que não se sentiam felizes nos seus empregos tiveram a coragem de enfrentar seus medos e receios. Um movimento desse tipo dá força às massas, e percebe-se que muitas pessoas se espelharam na ação de outras, passando a ter posturas proativas que antes não tinham”, explica.
Consciência
Segundo o administrador especializado em desenvolvimento organizacional e capital humano, Marcelino de Assis, os pedidos de demissão refletem em parte o trabalho precário ou alternativo adquirido por profissionais brasileiros, antes e durante a pandemia. Ele destaca que muitas pessoas aceitaram empregos abaixo de suas qualificações e interesses, por isso, com um leve aquecimento do mercado passaram a buscar outras empresas.
Outros fatores destacados por Marcelino, para os desligamentos espontâneos, estão ligados à busca por maiores salários e ainda melhores benefícios, aprendizados, desenvolvimento e relações interpessoais. O grande volume de trabalho também pode ter acelerado os pedidos de demissão nas organizações: seja por estar além da disponibilidade do colaborador ou por ele não perceber a importância e significado daquilo que faz.
“Foi uma resposta ao período de home-office forçado, em que havia sobrecarga de trabalho, aumento de reuniões e mecanismos de controle elevados. Isso pode ter contribuído para esse ressignificado do trabalho, do emprego e da exposição aos riscos (de contaminação) e às tormentas do transporte”, avalia.
Perfil
Enquanto no Brasil a “Grande Renúncia” é mais restrita a um pequeno grupo de profissionais, formado em sua maioria por jovens de alta escolaridade e que executam atividades que podem ser feitas remotamente, nos EUA o fenômeno é mais generalista e engloba diferentes idades e perfis laborais.
Segundo relatório da Firjan, em relação ao gênero, os homens representam 57,3% do público que aderiu ao movimento, e as mulheres 42,7%. No entanto, quando é analisado o grau de escolarização, as mulheres representam 37,6%, enquanto os homens são 30,6%.
Quanto à retenção de talentos, para Marcelino, as organizações que buscaram saídas com novos modelos de gestão — ao mudar processos de trabalho e inserção de tecnologias — saíram na frente no que chamou de paradigma do mundo presencial. “Crises trazem, em alguma medida, oportunidades para repensarmos o que fazíamos e questões que não seriam prioridade neste momento entram na ordem do dia”, ressaltou.
Já para Luciane Albuquerque, o que fica de lição com a “Grande Renúncia” é a necessidade de mudar o mindset (cultura de pensamento) e readequar-se, conforme a realidade em vigência. Ela destaca que além do trabalho remoto e do híbrido, tornou-se mais intensa a discussão em nível mundial sobre a redução da jornada de trabalho para quatro dias*.
“Há empresas que já passaram a oferecer serviços de apoio psicológico para dar suporte à saúde mental dos colaboradores e evidenciar o significado de propósito. Isso fortalece aspectos da cultura organizacional, muitas vezes esquecidos devido às demandas cotidianas das atividades laborais”, sentencia.
*Clique, aqui, e saiba o que é o movimento “Semana de Quatro Dias”.