Nunca foi tão necessário ensinar a pensar. A afirmação é da diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Claudia Costin. Numa sociedade que se mostra cada vez mais dominada pela inteligência artificial, saber usar e desenvolver adequadamente a cognição é fundamental para assegurar espaço no mercado, uma vez que os robôs – entendidos aqui por algoritmos, automações e mecanizações em geral – têm eliminado, progressivamente, postos de trabalho.
“Temos que preparar nossos jovens para saber ler, refletir sobre as informações, conferir, analisar, ter raciocínio matemático e aplicar os resultados disso no dia a dia. E o ensino não pode apenas ‘passar conteúdo’. É preciso desenvolver competências para preparar as pessoas para viverem num mundo mais complexo”, afirma. Para a diretora da FGV, o sistema de ensino tem papel fundamental neste aspecto, porque cabe a ele instruir e conduzir o aluno, desde cedo, a desenvolver o pensamento sistêmico, crítico e abstrato.
De acordo com o último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) – realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a cada 3 anos, para medir o desempenho escolar de alunos com 15 anos de idade de 70 países, nas áreas de matemática, ciências e leitura –, o Brasil está entre os 10 últimos colocados do ranking em ciências (63º), matemática (65º) e leitura (59ª).Segundo Claudia, o que puxa para baixo a posição do Brasil é justamente a dificuldade de pensar de maneira científica e matemática.
Para a especialista da FGV, três razões contribuem para isso. Em primeiro lugar, está a falta de padronização curricular. “Somente no final do ano passado passamos a ter uma padronização, com a Base Nacional Comum Curricular”, afirma. Fora isso, o despreparo dos professores para conseguirem ensinar os alunos a pensar criticamente e a curta jornada escolar dos estudantes brasileiros em relação aos demais países da OCDE são outros problemas graves. “A jornada média aqui no Brasil é de quatro horas. Isso é pouco. Não se trata de decorar o conteúdo, mas sim de saber analisar e interpretar aquelas questões. E fazer isso demanda tempo”, avalia.
Claudia defende que, caso comecem a ser implementadas mudanças na formação dos professores, será possível identificar melhoras no desenvolvimento escolar e acadêmico em médio prazo. “Temos que trabalhar isso nas universidades, capacitando melhor os futuros professores. Tem que haver vivências, não apenas aulas expositivas. Precisamos mudar a forma de ensinar”, pondera.
Osmar Bertero, professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanosda Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV, e coordenador do curso de Mestrado em Administração na mesma instituição, não é tão otimista. Para ele, mudar essa realidade para os estudantes que se encontram atualmente nos bancos escolares é praticamente impossível. “Lamento dizer que, para os agora estudantes que, muito em breve, adentrarão o mercado de trabalho, há muito pouco a se fazer”, afirma.
O professor diz que a reforma educacional é sempre uma proposta de longo prazo. Países bem sucedidos em educação, como os da Europa Ocidental, conseguiram alfabetizar adequadamente sua população em aproximadamente 150 anos, explica o professor. “No caso recente, a Coréia do Sul é apontada como um grande sucesso. Isso tomou lá cerca de 100 anos. Ou seja: é um processo que toma 3, 4 e, em algumas vezes, 5 gerações para que realmente se tenha uma mudança. Portanto, esperar mudanças radicais das pessoas que agora estejam nos bancos escolares é um otimismo que carece de fundamento na realidade”, diz.
No entanto, Bertero afirma que é necessário começar a mudança de algum lugar, preferencialmente pelo entendimento correto do cenário a que está posto. “Eu diria que devemos começar pela conscientização da dificuldade existente e pela necessidade de começar a atacar esse problema”, opina.
O acadêmico critica o fato de que os brasileiros têm deixado as questões da educação num campo quase que retórico: muito se fala e pouco se atua. “Quando falamos em reformas, falamos de questões que são os meios da educação – salários de professores, instalações escolares, merenda escolar, aumento do PIB nacional –, quando a pergunta fundamental é a seguinte: por que as crianças no Brasil não aprendem? Por que muitos terminam o ciclo educacional como analfabetos funcionais?”, expõe.
Para o presidente do Conselho Federal de Administração (CFA), Mauro Kreuz, a mudança necessária mais imediata é a revisão da lógica pedagógica atual que, segundo ele, é fragmentada e cartesiana, absolutamente disciplinar e deslocada do que hoje exige o mercado. “O mundo do trabalho é regido por competências profissionais objetivas e bem sedimentadas. Por isso, busca-se por pessoas ecléticas, que têm visão sistêmica, dialética, crítica de mundo e de organizações. Para entregar este tipo de profissional, para gerar esta autonomia intelectual, precisamos rever o modelo pedagógico que ainda norteia os cursos de Administração no país”, afirma.