R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Conselho Regional de Administração de Minas Gerias – CRA/MG, em face da sentença (ID 160329546) proferida em 14/07/2021, na qual foi reconhecida, de ofício, a nulidade do processo (art. 803, inc. I do CPC), em razão da nulidade da CDA, e julgado extinto o feito executivo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC.
Sem condenação em honorários advocatícios.
O apelante sustenta, em síntese, que os conselhos profissionais vêm sofrendo com atuações intencionadas em desclassificar sua característica de entidade pública, bem como que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. XIII 8 condiciona o exercício de trabalho ou profissão às qualificações que a lei estabelecer, sendo os Conselhos Profissionais órgãos a fiscalizar os elementos necessários à verificação da habilitação para o exercício das profissões.
Aduz que, para profissões regulamentadas, faz-se necessária a qualificação técnica dos profissionais, cuja fiscalização cabe aos Conselhos Profissionais quando há determinação legal. Assim, sustenta que a CR/88 que recepcionou os artigos art. 14, §1º, da Lei nº 4.769/65 e art. 51 do Decreto nº 61.934/67.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
Presentes os pressupostos gerais e específicos de admissibilidade, conheço da apelação do CRA/MG para dar-lhe provimento.
A Lei nº 4.769/65 dispõe sobre o exercício da profissão de Técnico em Administração, estabelecendo, em seu art. 14, que apenas poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos Conselhos Regionais de Técnicos de Administração, sendo que seu parágrafo 1º estabelece que a falta do registro torna ilegal o exercício da profissão. O art. 51 do Decreto nº 61.934/67, que constituiu o Conselho Federal de Técnicos de Administração reiterou a referida obrigação do registro.
O juízo de origem entendeu pela pela não recepção pela Constituição Federal de 1988 dos referidos dispositivos em razão do Princípio da Livre Iniciativa (art. 5º, inc. XIII c/c artigos 1º, IV e 170, IV da CR/88). Destacou também a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, instituída pela Lei nº 13.874/2019, a qual dispõe, em seu art. 3º, inc. I, sobre a desnecessidade de atos públicos de liberação para desenvolvimento de atividade econômica de baixo risco. Assim, ponderando a necessidade de regulamentação com o direito à livre iniciativa, entendeu pela desnecessidade de inscrição no Conselho de Administração para o exercício da atividade de administrador de empresas.
Conforme disposto na Constituição Federal, em seu art. 93, inciso IX, as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário deverão ser motivadas, sob pena de nulidade. Tal determinação se encontra presente também no art. 11 do Código de Processo Civil.
O Código Processual, em seu art. 489, § 2º dispõe, ainda, que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
Destaca-se que, como já elucidado em obra de minha autoria (2015)¹, a ponderação de valores, conforme o doutrinador Robert Alexy, importa perpassar pelas máximas da adequação – legitimidade da finalidade buscada pela norma -, da necessidade – busca pelo meio menos gravoso de atingir a finalidade da norma -, e da ponderação em sentido estrito – gradação entre os Princípios.
Ainda, tenho para mim que, mesmo na aplicação dos passos supracitados, ainda se encontram presentes os valores pessoais do julgador, os quais determinarão os pesos atribuídos na ponderação.
Assim, a mera alegação de que a atividade de administrador se regularia pelo próprio mercado de trabalho, de fato, não é suficiente para embasar a ponderação de valores efetuada na sentença a ponto de que fosse declarada a não recepção de lei pela Constituição Federal de 1988.
No mérito, com o advento da Lei nº 12.514, o fato gerador das anuidades é a inscrição no Conselho Profissional (art. 5º), sendo que, em regra, pouco importa o efetivo exercício da atividade. Na ausência de pedido de cancelamento permanece a obrigação do contribuinte de pagar as anuidades.
Ainda, tenho para mim que o Princípio Constitucional da Livre Iniciativa não dispensa a qualificação técnica do profissional, quando exigida por lei.
Destaco que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, que alterou o art. 21 do Decreto-Lei nº 9.295/1946 – que regulamenta a profissão de contador – na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.127/DF, relatora Ministra Rosa Weber, redator para acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, trânsito em julgado em 04/10/2016, deixou claro a higidez da referida norma, proclamando sua constitucionalidade e julgando improcedente a ADI nº 5.127/DF, nos termos do art. 24 da Lei nº 9.868/1999.
Ressalta-se que o STF, em recente decisão, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.383/DF (relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 22/11/2021), que versava novamente sobre o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, destacando que na ADI nº 5.127/DF, embora tenha se analisado a inconstitucionalidade formal do dispositivo, confirmou-se a validade da norma impugnada, ou seja, foi confirmada a constitucionalidade do art. 76 da Lei n° 12.249/2010 tanto sob a perspectiva formal quanto sob o aspecto material.
Desse modo, considerando a similitude dos casos – Administrador e Contador -, entendo que foram sim recepcionados os artigos 14, §1º da Lei nº 4.769/65 e 51 do Regulamento aprovado pelo Decreto n. 61.934/67.
Destaco precedente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região em caso idêntico ao dos autos:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. REGISTRO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE CANCELAMENTO. COBRANÇA DE ANUIDADES. VIGÊNCIA DA LEI N 12.514/2011. POSSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO AFRONTA À LIVRE INICIATIVA E À LIVRE CONCORRÊNCIA. INOCORRÊNCIA. 1. Antes da vigência da Lei 12.514/2011 o fato gerador da obrigação tributária era o exercício profissional, e não o simples registro no Conselho profissional. A contrário sensu, obviamente, posteriormente à inovação legislativa, o que se leva em conta é o registro profissional. precedente: Aglnt no REsp 1.615.612/SC. 2. Esta Turma tem se posicionado no sentido de que o livre exercício de qualquer trabalho não dispensa o atendimento às qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal). A superveniência da Lei 12.249/2010, restringindo, com efeitos prospectivos, o universo de profissionais elegíveis ao exercício da profissão contábil – para além de prestigiar o princípio da razoabilidade – se constitui na legítima produção legislativa ordinária que veio a integrar norma constitucional de eficácia contida, daí não havendo falar em contradição com o postulado prescrito no parágrafo único do art. 170 da CF ( AC 1008037-91.2015.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 – SÉTIMA TURMA, PJe 15/09/2020). 3. In Casu, por similaridade, deve ser afastada a alegação de inconstitucionalidade do art. 14, § 1º da Lei 4.769/65, porquanto essa norma infraconstitucional normatiza o exercício da atividade de administrador, não havendo afronta ao parágrafo único do art. 170 da CF e nem ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV da CF), uma vez que a própria norma constitucional estabelece que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Além disso, não consta dos autos algum pedido de cancelamento de inscrição da parte apelada, estando regularmente registrada, na vigência da Lei 12.514/2011, que consta como fundamentação legal da CDA. 4. Desta forma, por estar dissonante da jurisprudência majoritária, merece ser reformada a sentença. 5. Apelação provida, para anular a sentença e determinar o retorno do processo à origem, para o regular prosseguimento da execução (TRF1, AC 1013239-79.2021.4.01.3807, Relatora Desembargadora Federal Gilda Maria Carneiro Sigmaringa Seixas, 7ª Turma, PJe 12/05/2022)
Assim, não há falar em não recepção pela CR/88 dos dispositivos legais que embasam a CDA executada e, em consequência, não há falar em nulidade do título executivo que embasa a execução.
Assim, merece reforma a sentença proferida.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do CRA/MG para anular a sentença proferida e determinar o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento da presente execução fiscal.
É como voto.
APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL.CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE MINAS GERAIS. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ARTIGO 14 DA LEI Nº 4.769/65. CONSTITUCIONALIDADE.
1. Conforme disposto na Constituição Federal (art. 93, inciso IX) e no Código de Processo Civil (art. 11), as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário deverão ser motivadas, sob pena de nulidade.
2. O Código Processual, em seu art. 489, § 2º dispõe, ainda, que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
3. A mera alegação de que a atividade de administrador se regularia pelo próprio mercado de trabalho, de fato, não é suficiente para embasar a ponderação de valores efetuada na sentença a ponto de que fosse declarada a não recepção de Lei pela Constituição Federal de 1988.
4. Com o advento da Lei nº 12.514, o fato gerador das anuidades é a inscrição no Conselho Profissional (art. 5º), sendo que, em regra, pouco importa o efetivo exercício da atividade. Na ausência de pedido de cancelamento permanece a obrigação do contribuinte de pagar as anuidades.
5. O Princípio Constitucional da Livre Iniciativa não dispensa a qualificação técnica do profissional, quando exigida por lei.
6. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, que alterou o art. 21 do Decreto-Lei nº 9.295/1946 – que regulamenta a profissão de contador – na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.127/DF, relatora Ministra Rosa Weber, redator para acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, trânsito em julgado em 04/10/2016, deixou claro a higidez da referida norma, proclamando sua constitucionalidade e julgando improcedente a ADI nº 5.127/DF, nos termos do art. 24 da Lei nº 9.868/1999.
7. O STF, em recente decisão, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.383/DF (relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 22/11/2021), que versava novamente sobre o art. 76 da Lei nº 12.249/2010, destacando que na ADI nº 5.127/DF, embora tenha se analisado a inconstitucionalidade formal do dispositivo, confirmou-se a validade da norma impugnada, ou seja, foi confirmada a constitucionalidade do art. 76 da Lei n° 12.249/2010 tanto sob a perspectiva formal quanto sob o aspecto material.
8. Considerando a similitude dos casos – Administrador e Contador -, entendo que foram sim recepcionados os artigos 14, §1º da Lei nº 4.769/65 e 51 do Regulamento aprovado pelo Decreto n. 61.934/67. No mesmo sentido é o entendimento do Tribual Regional Federal da Primeira Região (TRF1, AC 1013239-79.2021.4.01.3807, Relatora Desembargadora Federal Gilda Maria Carneiro Sigmaringa Seixas, 7ª Turma, PJe 12/05/2022)
9. Não há falar em não recepção pela CR/88 dos dispositivos legais que embasam a CDA executada e, em consequência, não há falar em nulidade do título executivo que embasa a execução.
10. Apelação do CRA/MG provida. Sentença anulada e determinado o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento da presente execução fiscal.
ACÓRDÃO