SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL OBJETIVANDO INEXIGIBILIDADE DE REGISTRO NO CONSELHO. FUNÇÕES EXERCIDAS SE ENQUADRAM NAS ATIVIDADES TÍPICAS DOS ADMINISTRADORES. PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES. DENEGADA A SEGURANÇA.

SENTENÇA

CENTRO AVANCADO DE TREINAMENTO E SERVICOS LTDA impetrou o presente mandado de segurança pretendendo: (i) “que as autoridades coatoras, bem como o CRA/RJ se abstenham de lavrar auto de infração contra a impetrante, bem como se abstenham de praticar qualquer ato que tenha como objetivo o registro da impetrante em seus quadros e, ainda, que não seja emitida qualquer anuidade” ; (ii) “seja concedida a ordem declarando o direito líquido e certo da impetrante em não fazer o registro no CRA/RJ, uma vez que sua atividade não tem qualquer correlação com a atividade administrativa”.

Custas recolhidas no evento 3, CUSTAS1. Tutela provisória de urgência indeferida evento 4, DESPADEC1. Informações da autoridade impetrada e manifestação da pessoa jurídic interessada no evento 13, INF_MAND_SEG1. 

Manifestação do MPF no evento 16, PARECER1. Os embargos de declaração interpostos pelo impetrante no evento 12,

EMBDECL1 foram rejeitados pela decisão do evento 19, DESPADEC1.

Autos conclusos para sentença.
Argumentos da parte autora /do impetrante :
(i). Narra que “é pessoa jurídica que desenvolve as atividades de treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial; limpeza em prédios e em domicílios; poda de árvores; construção e manutenção de edifícios; atividades de limpeza não especificadas anteriormente; instalação de máquinas e equipamentos industriais; manutenção e reparação de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle; de embarcações e estruturas flutuantes; de tanques reservatórios metálicos e caldeiras, exceto para veículos; de válvulas industriais; serviços de tratamentos e revestimento em metais.
A 1a autoridade coatora, em dezembro de 2023 enviou notificação à impetrante informando que, supostamente, teria ela recebido o Ofício no 400203142023, que seria um processo administrativo de fiscalização”.

“Na notificação enviada em dezembro/2023, foi aberto prazo que que a impetrante apresentasse defesa e, caso não o fizesse, seria lavrado Auto de Infração”.
(ii). O ato coator se consubstancia na obrigação ilegalmente imposta ao impetrante de registrar-se no Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro.
(iii). As atividades desempenhadas pelo impetrante não se amoldam às hipóteses sujeitas à fiscalização do CRA-RJ, conforme ressaltou-se na defesa administrativa.
Consignou-se que ““não há o que se falar em registro neste órgão, uma vez que o exercício das atividades da empresa notificada refere-se tão somente à ministração de cursos de normas regulamentadores, serviço de poda de árvores para lavouras, serviços de tratamento e revestimento em metais, manutenção e reparação de tanques, reservatórios metálicos e caldeiras, aparelhos e instrumentos de medidas, testes e controle, válvulas industriais, embarcações e estruturas flutuantes, instalação de máquinas e equipamentos industriais, construção de edifícios, limpeza em prédios e em domicílios, e estes nada tem a
ver com o exercício da atividade profissional de administração ou ministração de cursos dessa competência. Não há, portanto, nenhuma atividade operacional desempenhada por responsável técnico que justifique o registro no Conselho Regional de Administração”.
(iv). As atividades do impetrante não se encontram descritas no art. 2o e 3o da
Lei no 4.769/1965, que dispõe o exercício da profissão de Técnico de Administração.
Manifestação da autoridade impetrada e da pessoa jurídica interessada: (i). Preliminarmente, inadequação da via eleita, em razão do impetrante não demonstrar a certeza e liquidez do direito alegado no momento da impetração do presente.
(ii) No mérito, afirma que os conselhos de fiscalização profissional são dotados de Poder de Polícia, atuando o Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro com autonomia técnica, administrativa e financeira nos moldes da Lei no 4.769/1965.
(iii). A análise dos atos constitutivos das atividades da impetrante, sobretudo na sua atuação na área de treinamento, se sujeitam à fiscalização do CRA/RJ, uma vez que estão contempladas no disposto no art. 2o da Lei no 4.769/1965; art. 3o do Decreto no61.934/1967; e Resolução Normativa CFA no 519/2017. “O ato de administrar significa planejar, organizar, coordenar e controlar tarefas visando alcançar produtividade, bem-estar dos trabalhadores e lucratividade, além de outros objetivos definidos pela organização”.
“A atividade do segmento empresarial de treinamento é uma abordagem de desenvolvimento humano e profissional, que tem como objetivo auxiliar empregados ou profissionais liberais de qualquer área de atuação a maximizarem seus resultados, porque, além do básico exigido por um ofício, ocupação ou profissão, os avanços tecnológicos e a competitividade do mundo moderno, exigem que os trabalhadores atualizem constantemente seus conhecimentos, habilidades e atitudes”.


O Ministério Público não se manifestou quanto ao mérito.


É o relatório.


FUNDAMENTAÇÃO
Preliminares
Da adequação da via eleita
A petição inicial foi instruída com a prova documental que o impetrante entende ser suficiente para demonstrar o seu suposto direito líquido e certo. A análise quanto a qualidade da prova, se é suficiente ou não para comprovação do direito pretendido, é questão de mérito.

Dessa forma, foi preenchido o requisito para impetração do remédio constitucional previsto no art. 5o, LXIX da CF, devendo a tese de inadequação da via eleita ser afastada.

Mérito
O ponto central da lide é a definição se a natureza da atividade básica efetivamente desempenhada pelo impetrante está ou não inserida na atribuição fiscalizatória do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro, sendo oportuno destacar, neste ponto, o disposto na Lei no 4.769/1965:

Art 1o O Grupo da Confederação Nacional das Profissões Liberais, constante do Quadro de

Atividades e Profissões, anexo à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto- lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, é acrescido da categoria profissional de Técnico de:

a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia
intermediária, direção superior;
b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e
contrôle dos trabalhos nos campos da administração VETADO, como administração e
seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material,
administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração
de produção, relações industriais, bem como outros campos em que êsses se desdobrem ou aos quais sejam conexos; (grifei)
c) VETADO.
Art 3o O exercício da profissão de Técnico de Administração é privativo:
a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Emprêsas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos têrmos da Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961;
b) dos diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação do diploma no Ministério da Educação e Cultura, bem como dos diplomados, até à fixacão do referido currículo, por cursos de bacharelado em Administração, devidamente reconhecidos;
c) dos que, embora não diplomados nos têrmos das alíneas anteriores, ou diplomados em
outros cursos superiores e de ensino médio, contem, na data da vigência desta lei, cinco anos, ou mais, de atividades próprias no campo profissional de Técnico de Administração definido no art. 2o. (Parte vetada e mantida pelo Congresso Nacional) 

Parágrafo único. A aplicação dêste artigo não prejudicará a situação dos que, até a data da
publicação desta Lei, ocupem o cargo de Técnico de Administração, VETADO, os quais
gozarão de todos os direitos e prerrogativas estabelecidos neste diploma legal.
É relevante consignar que a “jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que o critério legal para a obrigatoriedade de registro nos conselhos profissionais e de contratação de profissional específico é determinado pela atividade básica ou natureza dos serviços prestados pela empresa”(AgInt no REsp n. 2.019.972/AL, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023.).

A diligência fiscalizatória que deu origem ao suposto ato coator foi documentada no Processo Administrativo no 2023318143, cuja cópia integral foi juntada somente pela autoridade impetrada no evento 13, PROCADM3, sendo possível extrair as seguintes conclusões: (i) o código de descrição da atividade econômica principal junto ao CNPJ é o no 85.99-6-04, “treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial” (fl. 12); (ii) a notificação enviada ao impetrante, Ofício CRA-RJ/FISC no400182242023 de fl. 4, demonstra que fora oportunizada o contraditório e ampla defesa no âmbito administrativo;
(iii) o impetrante não instruiu o processo administrativo com documentos que demonstrassem o afastamento de suas efetivas atividades do escopo fiscalizatório da autarquia federal.

Nesse contexto, verifica-se que houve respeito ao direito de defesa do impetrante, tendo a decisão administrativa se baseado, principalmente, na descrição da atividade básica trazida pelo código de descrição da atividade econômica principal junto ao CNPJ, em conformidade com a orientação jurisprudencial do STJ acima evidenciada.
Por seu turno, o impetrante neste feito também deixou de trazer qualquer
elemento concreto a comprovar o afastamento de suas efetivas atividades do previsto na Lei no 4.769/1965, tendo este fato sido expressamente mencionado na decisão do evento 4,
DESPADEC1:

À luz da Lei no 6.839/1980 e da jurisprudência do STJ, o critério definidor da obrigatoriedade de registro de empresas nos respectivos conselhos de fiscalização é a atividade preponderante ou a natureza dos serviços que prestam a terceiros.
A impetrante tem como atividade principal “treinamento em desenvolvimento profissional e
gerencial” (1.5).
(…)
Se treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial constitui administração de
pessoal, trata-se de matéria que depende instrução probatória e maiores esclarecimentos. Trata-se, portanto, de questão a ser melhor aferida na sentença, quando então se fará cognição plena e exauriente da matéria fática apresentada, depois de exercido o direito constitucional ao contraditório e após a instrução processual.
Adicione-se, ainda, que mesmo as notas fiscais juntadas no evento 17 não
contribuem para a tese do impetrante, tendo em vista que demonstram a atuação na
ministração de treinamento em Normas Regulamentadoras de segurança do trabalho editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Este tipo de treinamento está dentro da ideia de “treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial”, inserindo-se, por conseguinte, também na alínea “b” do art. 2o da Lei no 4.769/1965, sobretudo na previsão de “administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que êsses se desdobrem ou aos quais sejam conexos” .

Nesse panorama, percebe-se que a análise feita pela CRA-RJ se deu à luz dos documentos fornecidos pelo impetrante, não havendo qualquer elemento capaz de afastar a presunção de veracidade, legalidade e legitimidade que goza o ato administrativo em questão.

Portanto, os pedidos devem ser julgados improcedentes.

DISPOSITIVO
JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e DENEGO SEGURANÇA nos termos

[…] (TRF2- MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL No 5037622-19.2024.4.02.5101/RJ. JUIZ FEDERAL MARCELO LEONARDO TAVARES, julgado em 23/09/2024)