Mauro Kreuz fala sobre temas polêmicos da Administração e faz balanço da profissão e da atual conjuntura brasileira
Entrevistado especial da RBA 138, o presidente do CFA, Mauro Kreuz, fez um balanço sobre a trajetória da profissão no Brasil e avaliou o atual mercado de trabalho, a crise econômica e a pandemia. Também descreveu as principais ações do CFA nos últimos anos e chamou atenção ao Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 108, em tramitação no Congresso Nacional, que pode inviabilizar a fiscalização das profissões no Brasil.
Em 2020, as carreiras da Administração fizeram 55 anos. Qual avaliação o senhor faz dos avanços e dos percalços enfrentados pela profissão?
Somos uma profissão relativamente jovem, mas alcançamos muitos avanços desde a regulamentação realizada pela Lei n.º 4.769, em 1965. Com isso, foi necessário criar um órgão que desenvolvesse normas, orientações e atuasse no quesito consultivo e, sobretudo, disciplinador do exercício das atividades. Nasceu, então, o Conselho Federal de Administração (CFA).
Em paralelo, e conexo ao CFA, surgiram os Conselhos Regionais de Administração (CRAs), cuja finalidade é proteger a sociedade dos maus profissionais por meio da fiscalização. Nesses 55 anos enfrentamos muitos desafios, mas nenhum deles supera a ameaça da PEC n.º 108/2019. Esse Projeto de Emenda Constitucional pretende tirar a obrigatoriedade de registro nos conselhos profissionais, não apenas da Administração, mas de muitas outras carreiras.
A consequência nefasta desse projeto é que qualquer pessoa poderá acordar um dia e resolver intitular-se profissional de qualquer segmento técnico (administrador, advogado, médico, engenheiro, etc.). A PEC 108 retira as fontes de renda dos conselhos e, com isso, ameaça institucionalmente as nossas existências.
Em suma, abrir mão dessa contribuição inviabilizaria nossa missão de proteger a sociedade e o mercado, bem como de promover e valorizar nossa profissão. Sem reconhecimento e proteção, a Administração e as carreiras da ciência da Administração correm o risco de caírem na precarização.
Como o senhor avalia o momento atual do mercado de trabalho, para os profissionais da Administração, e o que pode ser feito para melhorar a qualificação e aumentar os espaços de trabalho?
Apesar do cenário pandêmico e econômico, estamos em um momento auspicioso. É preciso ser otimista e ver oportunidades que a crise e o momento nos exigiu, ou seja, posturas proativa e disruptiva.
Muitas empresas amargaram duras consequências. Contudo, um levantamento do CFA mostrou que 52,1% dos empregadores não desenvolvem qualquer metodologia de gestão de riscos em seu negócio. Isso prova que foi a falta de gestão profissional que tem causado a morte de muitos negócios.
Sensível às necessidades atuais, o CFA lançou, inclusive, um programa para ajudar as micro e pequenas empresas (MPEs) a superar as adversidades que a crise lhes impôs. Por meio da iniciativa, profissionais de Administração prestam consultoria, gratuita, para as empresas que se cadastraram no programa.
Mesmo antes do cenário pandêmico, a Administração já era o segmento com mais demandadas no mercado de trabalho. De cada dez vagas geradas, sete eram, e ainda são, para áreas da Administração.
O problema é que não temos profissionais qualificados o suficiente para agarrar essas oportunidades e atender as demandas das organizações. É preciso que esses profissionais se adequem aos novos tempos de Revolução 4.0, pois quem não se adaptar e entender minimamente de tecnologia não vai encontrar espaço no mercado.
As carreiras da Administração são estratégicas para diversos ramos da Economia e para suas respectivas organizações. Falta reconhecimento de que os administradores são necessários nas lideranças dessas instituições?
Sim, ela é uma profissão extremamente estratégica e a pandemia revelou isso, mais do que nunca. A falta de qualificação para atuar nesse segmento é o principal motivo para essa participação tímida.
O mercado só vai reconhecer a importância desses profissionais quando eles se mostrarem preparados. Na Saúde, quantos problemas os hospitais privados tiveram com falhas operacionais, em distribuição de materiais e falta de insumos? Em ambos os casos, é clara a falta de gestão qualificada.
Médico precisa salvar vidas, mas muita das vezes ele é deslocado para funções nas quais não foi preparado para executar. Enquanto os profissionais de Administração não se qualificarem e se engajarem nesse setor, a gestão continuará sendo feita por quem não é profissional do ramo.
Alguns dos maiores problemas enfrentados no Brasil tem a ver direta ou indiretamente com a falta de boas administrações e gestões. Onde o Brasil tem errado?
O Brasil tem errado em não ter um projeto estratégico de nação. Afinal, que país queremos ser? E, infelizmente, como disse o filósofo Sêneca, para quem não sabe aonde ir, não há vento favorável.
É por isso que estamos mergulhados nessa crise política e econômica sem fim. Os governos precisam rever suas políticas e ter um olhar sistêmico para o país. Cabe ao Estado e aos poderes garantirem a governança para o bem estar de todos. Esse deveria ser o modus operandi à luz da Administração.
Segunda parte da entrevista.
Por Leon Santos – Assessoria de Comunicação – CFA.