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Pesquisadoras falam de suas trajetórias profissionais no universo científico

Em tempos de Covid-19, a importância da ciência ficou ainda mais em evidência. Afinal, é por meio dela que a doença é estudada e vacinas estão sendo testadas. No Brasil, contudo, os cientistas enfrentam enormes dificuldades ligadas à falta de incentivo. Ainda sim, o país tem muitos pesquisadores e alguns, inclusive, mesmo com todas as adversidades, estão debruçados para compreender melhor o novo coronavírus. Um desses profissionais é a cientista Jaqueline Goes de Jesus. Ela foi convidada, no último dia 5, para compor uma  uma equipe de pesquisadores da Organização das Nações Unidas (ONU) após ter sequenciado os primeiros genomas do novo coronavírus na América Latina.

Outra cientista brasileira também ganhou destaque recentemente: é a pesquisadora sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores dos EUA, Luciana Borio. Ela fará parte do conselho consultivo para o combate à Covid-19 na gestão do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden. Mas, afinal, o que essas mulheres têm em comum? Ambas dedicam a vida à pesquisa científica, uma área que, culturalmente, sempre foi dominada por homens.

Para mudar esse cenário, o III Fórum das Mulheres da Administração promoverá um dia dedicado ao tema “Mulheres na Ciência”. O evento, realizado pela Comissão Especial ADM Mulher do Conselho Federal de Administração (CFA), acontecerá de 24 a 26 de novembro, por meio do canal CFAPlay.

Em 2020, Márcia foi eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil em pela revista Forbes.

Uma das convidadas para falar do assunto é a professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora da Academia Brasileira de Ciências, Márcia Barbosa. Ela conta que ainda é muito baixa a participação feminina no universo científico. “As mulheres são no mundo somente 30% das cientistas. Se restringirmos ciências exatas, este número cai para entre 10% a 20%. Dentro deste quadro ruim, subir na carreira é o grande obstáculo. Só para dar uma ideia, na Academia Brasileira de Ciências (o que seria equivalente a ser conselheiro de uma empresa), as mulheres são 16%. O fato de o percentual de mulheres diminuir à medida em que se sobe na carreira é um dos grandes problemas”, explica.

Márcia é graduada, mestre e doutora em Física. Ela era minoria em um curso dominado por homens e foi preciso superar muitos desafios. “Percebi que era o elefante na sala quando entrei em aula e era uma das oito mulheres em oitenta alunos na minha graduação. Olhei em volta e não via mulheres liderando. Física é apaixonante! Portanto, segui apesar dos obstáculos de ser ignorada, subestimada e ultrajada. Enfrentei o menu de Gaslighting, Mansplaining, Manterrupting, Bropriating, mas tinha colegas e companheiras que me apoiavam no caminho”, relembra a cientista.

Sobre o futuro das mulheres na ciência, Márcia é otimista. “O mundo está mudando. As jovens hoje têm uma enorme consciência do problema. A minha geração naturalizava. Eu tenho esperança, pois a luta de quem veio antes de mim e da minha geração está pavimentando o caminho para a equidade”, afirma.

Ciência e maternidade

Quem também estará no III Fórum das Mulheres da Administração é a neurocientista, doutora em Fisiologia e professora associada na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Uruguaiana-RS, Pâmela Billig Mello Carpes. Como Márcia, ela também precisou superar muitos obstáculos.

Pâmela Billig: neurocientista e mãe.

O interesse em ser cientista nasceu quando cursava Fisioterapia. Contudo, ao final da graduação, Pâmela ficou grávida e seguir com o planos de fazer mestrado e doutorado, títulos essenciais para a carreira científica, foi um desafio. “Tive dificuldades em encontrar um orientador que considerasse possível conciliar a ciência com a maternidade. Depois que encontrei, fiz mestrado e doutorado em quatro anos e então me tornei professora na Universidade Federal do Pampa, iniciando meu próprio grupo de pesquisa. Na Unipampa encontrei oportunidades e espaço para crescimento de desenvolvimento das minhas pesquisas, de tal forma que gradativamente fui sendo reconhecida pelos meus pares”, conta a cientista.

Esse reconhecimento rendeu, por sinal, alguns prêmios como o Prêmio para Mulheres na Ciência, da L’Oreal em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências, que ela ganhou em 2017 por um projeto que buscou entender melhor como o cuidado, ou a falta dele, nos primeiros anos de vida da criança impacta o cérebro e o desenvolvimento das suas funções. 

Em 2018, ela trabalhou no Escritório de Educação da Unesco, em Genebra, e hoje é bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa. Pâmela diz que as mulheres já enfrentaram – e ainda enfrentam – muitos desafios na ciência. “As poucas mulheres que conseguiam fazer ciência muitas vezes não tinham seu trabalho reconhecido. Rosalind Franklin é um bom exemplo. Ela teve um papel fundamental na descoberta da estrutura do DNA e isso só foi reconhecido muito recentemente. O mérito foi para uma dupla de cientistas homens que, inclusive, se apropriou do trabalho da cientista”, aponta.

Hoje, o cenário do universo feminino no meio científico é outro. “Atualmente é muito mais fácil para as mulheres ingressarem na ciência, mas isso não garante ausência de desafios. Eles são outros. A progressão na carreira é mais lenta, a maternidade tem um grande impacto, há muitos relatos de assédio no ambiente acadêmico-científico, etc”, pontua Pâmela.

Para ajudar outras mulheres e mães cientistas ela passou a fazer parte do grupo Parent in Science. “Tenho muito orgulho de fazer parte deste movimento. Ele trouxe à tona o tema parentalidade e ciência e fez com que olhássemos para as mães cientistas com olhos mais inclusivos. Somos muitas e várias vezes achamos que estamos sós. Tivemos muitos avanços nestes últimos três a quatro anos. Realizamos eventos e discussões com agências de fomento, conseguimos incluir na análise do currículo de editais de agências de fomento à pesquisa e de algumas universidades a consideração da maternidade na análise do currículo de cientistas mães, compartilhamos diretrizes para ambientes acadêmicos mais inclusivos, divulgamos dados acerca do impacto da maternidade e paternidade na produtividade das/dos cientistas, inclusive durante a pandemia, entre outros”, cita.

Pâmela diz, ainda, que há muitos desafios e a luta precisa ser uma constante. “Imagino um futuro no qual muitos dos desafios de hoje terão sido superados no sentido de que já tenhamos políticas e ações que os atendam; um futuro no qual as mulheres cientistas terão condições de trabalhar lado a lado e em condições de equidade com os homens”, afirma.

Mas a cientista vai além e diz que espera um futuro no qual a ciência seja feita por grupos “diversos em todos os sentidos, não só de gênero, mas também de raça, background social, etc.” “Creio que lutamos por gerações futuras, e que precisamos manter a luta, porque muitas vezes depois de muitos passos para frente, recua-se alguns para trás”, defende Pâmela.

Sobre o evento

O III Fórum das Mulheres da Administração é gratuito e voltado para as profissionais e estudantes de Administração, mas mulheres de outros segmentos também poderão conferir o evento. O Fórum será totalmente on-line, com transmissão ao vivo pelo CFAPlay – canal do CFA no Youtube. O evento acontecerá de 24 a 26 de novembro, das 19h às 21h.

Serão emitidos certificados de participação com carga horária de três horas por noite, a todos que participarem, inclusive painelistas e palestrantes.

Saiba mais

Gaslighting – abuso sutil, manipulador, mediante o qual se desgasta a autoestima e a confiança da mulher em si mesma a ponto de anulá-la, de transformá-la em um punhado de dúvidas e medos.

Mansplaining – é quando um homem explica coisas óbvias à mulher, muitas vezes com um tom paternalista, como se ela não fosse intelectualmente capaz de entender algo.

Manterrupting – acontece quando homens interrompem falas de mulheres.

Bropriating – O termo é usado para indicar a situação onde um homem se apropria da ideia de uma mulher, levando o crédito no lugar dela.

Sobre as palestrantes

Márcia Barbosa

Possui graduação (1981), mestrado l (1984) e doutorado (1988) em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e atua como professora titular da UFRGS. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Física da Matéria Condensada, atuando principalmente em água. Pelo estudo das anomalias da água ganhou o prêmio Loreal-Unesco de Mulheres nas Ciências Físicas e o prêmio Claudia em Ciência, ambos em 2013. Em paralelo, atua em questões de gênero pelo que ganhou, em 2009, a Medalha Nicholson da American Physical Society. Por sua atuação pela pós-graduação ganhou o Prêmio Anísio Teixeira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2016 e por seu trabalho em prol da ciência recebeu, em 2018, da Presidência da República, a Medalha do Mérito Científico como comendadora. Em 2020 foi escolhida pela ONU Mulheres como uma das sete mulheres cientistas que moldaram o mundo e no mesmo ano foi escolhida pela Forbes Brasil como uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil. É diretora da Academia Brasileira de Ciências.

Pâmela Billig Mello Carpes

Ela é neurocientista e professora associada na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Uruguaiana/RS. É doutora em Fisiologia, com pós-doutorado na Universidade de Leuven (Bélgica), e bolsista de produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Suas pesquisas buscam entender como o cérebro aprende em condições normais e patológicas e investigar estratégias de modulação da memória. Lidera o Grupo de Pesquisa em Fisiologia, e o Programa POPNEURO: Ações para divulgação e popularização da neurociência. Participa dos grupos Cientistas do Pampa e Parent in Science. Em 2017 ganhou o Prêmio Para Mulheres na Ciência L’Oreal/UNESCO/Academia Brasileira de Ciências e em 2019 foi finalista do Prêmio Donna Mulheres que Inspiram e, no mesmo ano, recebeu o Prêmio Espírito Público. É membro fundadora do Comitê Mulheres na Fisiologia da Sociedade Brasileira de Fisiologia e membro do comitê Women in Physiology da American Physiological Society. É pesquisadora da Rede Ciência para a Educação e atuou no Escritório da Educação da UNESCO no programa Science of Learning em 2018.

Ana Graciele Gonçalves

Assessoria de Comunicação CFA