Quem foi Alberto Guerreiro Ramos?
Alberto Guerreiro Ramos, professor de administração pública da University of Southern California (Universidade do Sul da Califórnia), faleceu em 6 de abril de 1982. Ramos nasceu na Bahia, estado brasileiro, em 13 de setembro de 1915, e estudou na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Faculdade de Direito da mesma universidade ao mesmo tempo, formando-se em 1942 em bacharel em sociologia na primeira instituição e, um ano mais tarde, em bacharel em direito na segunda. Aos 22 anos, trabalhou como consultor político informal ao governador do estado da Bahia, mas também realizou a rara tarefa de publicação de um livro de poesia intitulado O drama de ser dois. Esse livro, dedicado a Nikolai Berdiaev, foi lido de modo entusiasmado em uma estação de rádio local da Bahia. Dois anos depois de ter se formado na Faculdade de Direito, Ramos publicou seu segundo livro, um estudo sociológico intitulado Uma investigação com 500 jovens. Em diferentes etapas de sua vida, trabalhou com arte, poesia, ciência social padrão e ferramentas marxistas conceituais para resistir às repressivas estruturas sociais. Ramos reconhecia que a repressão adotava muitas formas — política, econômica, social e psicológica. Participou de pesquisas que visavam a descobrir os princípios organizacionais de um sistema social viável e significativo. O resultado desse trabalho veio no verão de 1981, com a publicação de A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações, pela editora University of Toronto Press. Ramos teve reconhecimento internacional. Em sua juventude no Brasil, foi caracterizado por Pitirim Sorokin como um dos “exímios sociólogos existentes”. Enquanto ainda morava no Brasil, escreveu onze livros, incluindo Introdução crítica à sociologia brasileira (1957), A redução sociológica (1965) e Administração e estratégia do desenvolvimento — elementos de uma sociologia especial da administração (1966), bem como mais de duzentos artigos (alguns foram traduzidos para o espanhol, francês e japonês). Foi professor de sociologia na Escola Brasileira de Administração Pública e diretor do departamento de sociologia do Instituto Brasileiro de Estudos Avançados. Em 1955, foi palestrante visitante da Universidade de Paris. Na década de 1960, Ramos foi convidado a ser um defensor brasileiro em vários países comunistas: na Iugoslávia, onde conheceu Tito, na China, onde conheceu Mao Tsé-Tung, e na União Soviética, onde deu uma palestra na Academia de Ciências. Em 1961, foi defensor brasileiro na décima sexta assembleia geral da ONU, e foi deputado brasileiro em 1963. Participou de diversas designações públicas e privadas, incluindo o cargo de consultor de três presidentes do Brasil: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, a quem acompanhou em uma missão a Pequim. Ramos saiu do Brasil em 1966 como resultado de dificuldades causadas pela revolução militar. Ele era um homem preocupado em relacionar a teoria à prática. Por ter sido privado de um espaço para ação política, foi influenciado por seu ponto de vista sobre predecessores como Platão e Max Weber que, preocupados com os assuntos práticos urgentes e privados de espaço para ações sociais efetivas, articularam princípios teóricos para a ação. Ramos, dotado de amplos horizontes e interesses teóricos, procurava fazer suas contribuições a essa área teórica, talvez de um modo mais relacionado à prática: György Lukács, há muito tempo, já havia avançado a tese de que a organização é a forma que faz a intermediação entre a teoria e a prática. O livro A nova ciência das organizações, de Ramos, seria fundamentalmente mal-entendido se fosse considerado um exercício intelectual simples e passo a passo em vez de uma articulação de parâmetros e diretrizes para a prática política. Ramos passou os últimos 17 anos de sua vida nos Estados Unidos. Foi professor de administração pública na University of Southern California de 1966 até a sua morte. Em virtude de suas habilidades de ensino incomuns, recebeu vários prêmios de excelência do ensino na faculdade e na universidade como um todo. Com a mudança da conjuntura política do Brasil, em 1979, o sociólogo foi convidado a desenvolver um programa de pós-graduação em planejamento governamental para a Universidade Federal de Santa Catarina que, com a ajuda de seus pesquisadores associados, foi implementado no outono de 1980. Desde então, Ramos tornou-se um professor visitante de Santa Catarina, além de palestrante convidado em outras universidades federais, fundações e institutos brasileiros, e escreveu diversos artigos para o Jornal do Brasil.
A nova ciência das organizações foi analisada no The Times Higher Education Supplement (Londres) como, “obviamente, um livro importante para o desenvolvimento da teoria organizacional”. Por essa obra, Ramos recebeu o prêmio de destaque Phi Kappa Phi Book Award uma semana antes de sua morte tão repentina. Essa nova ciência das organizações contém, no mínimo, um plano de duas vertentes. Por um lado, ela representa o plano de reapropriação da antiga sabedoria que, cultivada em diversas culturas, é uma herança comum de toda a raça humana (aqui, é necessário compreender o uso deliberadamente irônico de uma “nova ciência”); essa iniciativa pode ter consequências de longo alcance devido ao reconhecimento e à ampliação de nosso entendimento sobre as categorias comuns ao redor das quais organizamos nossas vidas, como trabalho, lazer, política, ação, tempo, aprendizado, relações humanas, autodeterminação e autorrealização. Por outro lado, ela representa o plano de descobrir ou criar invenções sociais que, em nosso período e circunstância históricos, possam promover a praxe, ou seja, a interação deliberada e comunicativa que está no centro da política clássica. Essas invenções sociais podem incluir a economia de concessão, em oposição à economia de troca, o aprimoramento político de vários programas de desenvolvimento comunitário, a utilização de princípios orçamentários sinérgicos e o desenvolvimento de configurações de organizações mais multicêntricas, de acordo com o que ele chamava de “lei da adequação necessária”. De fato, o problema organizacional central de nossa época pode ser entendido como o cultivo de cada um desses elementos e o estabelecimento da relação entre eles de modos que possam aumentar a qualidade e a capacidade de geração de legitimidade dos esforços humanos organizados. Ao ver os eventos contemporâneos de um distanciamento crítico, Ramos alega que o “paradigma para econômico”, do qual ele se considerava apenas um articulador, elabora o “interesse prevalecente” que, embora não seja um resultado necessário, é uma possibilidade objetiva em direção à qual nós não estamos caminhando atualmente. Ao fazer isso, ele se descobre rejeitando os objetivos preestabelecidos e os princípios organizacionais das economias políticas, independentemente de seus pontos de referência resultarem do trabalho de Adam Smith ou de Karl Marx. É notável que, embora todas as justificativas ideológicas da democracia liberal, do socialismo e do comunismo aleguem ter uma base legítima no conceito do governo de todos, por todos e para todos, todas elas adotaram e, portanto, aceitaram, implicitamente, os princípios organizacionais que sabotam essa legitimação. Ramos reforça a primazia da praxe aristotélica do domínio organizacional em relação à função central desempenhada pela técnica na prática organizacional moderna do Ocidente e do Oriente. É a predominância inquestionável da técnica (considerações instrumentais) sobre a praxe (ou os assuntos práticos deliberados que abordam perguntas como “onde?” e “por quê?”) que fez com que Ramos abrisse A nova ciência das organizações com a proclamação de que a teoria administrativa predominante é ingênua. Ao aceitar tacitamente que o futuro da sociedade e do bem-estar humano é resolvido por qualquer “filosofia” ou ideologia preestabelecida, incluindo a estrutura política e econômica de Smith e Marx, nós abdicamos da tarefa essencial de deliberação sobre o futuro e os meios. De acordo com Ramos, Marx errou ao acreditar que o processo histórico das forças produtivas é racional em si mesmo e, portanto, emancipador. A principal reserva de Ramos em relação a Marx resulta da ironia de que a crítica marxista, que deveria oferecer uma alternativa aos princípios organizacionais da sociedade centralizada no mercado, tornou-se cativa dos preceitos subjacentes da economia política liberal. Foi exatamente a construção social da economia política dos séculos XVII e XVIII (e não a noção clássica muito mais abrangente da política), aceita tacitamente por Marx, que Ramos questionava como insustentável em termos ecológicos, sociais e psicológicos.
A nova ciência das organizações representa um plano possivelmente relevante para qualquer sistema social que leve sua base de legitimidade a sério e que deseje melhorar a capacidade de seus cidadãos de envolver-se em atos significativos de autodeterminação. Essa tarefa essencial, que inclui desviar-se dos meios organizacionais e invenções sociais para promover esse objetivo classicamente político, foi concebida por Ramos como uma “nova ciência das organizações”. Dentro dos interstícios das limitações impostas pelas crises ecológicas, sociais e econômicas contemporâneas, Ramos percebeu que era possível que essa “nova ciência” vinculasse a sabedoria antiga às invenções sociais contemporâneas em uma relação que, embora possa não valer para sempre, pode fazer sua contribuição para melhorar o bem-estar pessoal e político. Foi esse o plano que ele nos deixou.
[Fonte: Guerreiro Ramos – uma coletânea de depoimentos . 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014]