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Pesquisa em Detalhes

Conheça a trajetória de Silvio Pires, presidente da empresa ‘Demanda Pesquisa e Desenvolvimento de Marketing’. 

Por Leon Santos 

Fundador da empresa de pesquisas Demanda, o administrador Silvio Pires é uma das figuras mais conhecidas nos altos escalões executivos das grandes corporações quando o assunto é pesquisa de opinião. Referência na área, ele é também publicitário e professor em instituições de ensino superior. 

Entrevistado especial da RBA 155, ele fala sobre sua trajetória de vida e profissional, bem como de seu livro — intitulado “Histórias Vivas da Pesquisa de Mercado: como manter uma marca ativa por mais de 50 anos” — e também sobre erros e acertos em sua carreira. Com mais de sete mil projetos de pesquisas de mercado e opinião pública, para mais de 800 clientes em 20 países, Silvio é um case de sucesso e sinônimo de resiliência, foco e dedicação ao trabalho e à inovação. 

Nas linhas a seguir, você conhecerá um dos ícones vivos da história da administração brasileira, bem como seu desbravamento em uma área dominada por estatísticos. Com destacado conhecimento em áreas como marketing, projetos e vendas, ele domina diferentes áreas da administração — o que o permitiu atender com excelência empresas como Nestlé, Microsoft, Avon, Calvin Klein, Toyota, HP, Panasonic, entre dezenas de outras grandes organizações. 

RBA – Silvio, com frequência, vemos erros gerenciais graves, movidos por decisões equivocadas. As pesquisas de mercado são pouco valorizadas pelas empresas brasileiras em geral? Ou o processo é caro e, por isso, aparentemente apenas as grandes empresas as realizam?

As decisões são tomadas por nós, a todo o momento, com base em nossa experiência anterior; no conjunto de informações daquele momento e, muitas vezes, pelo nosso estado de ânimo. Quando uma empresa faz um investimento que envolve riscos, é importante acrescentar informações de mercado. Por exemplo, onde é o melhor local para instalação de nova filial? Qual o gosto preferido dos consumidores? Qual a mensagem de comunicação mais efetiva? O que os eleitores mais desejam do futuro prefeito? Como está o preço de seus produtos em comparação com a concorrência? Como devo posicionar o meu serviço? E assim por diante. Nas empresas organizadas, justificar a decisão a ser tomada com dados atualizados de mercado é um padrão de excelência gerencial. As informações podem ser obtidas por muitos meios, não só por pesquisa por encomenda. A pesquisa ajuda a reduzir o risco da decisão, melhora os acertos. Os resultados da pesquisa ajudam na expansão criteriosa da empresa, impactam a lucratividade, melhoram a confiança dos acionistas. Empresas pequenas podem se beneficiar de resultados de pesquisas contratadas por associações ou de órgãos públicos de fomento e produtividade, como o Sebrae, por exemplo. 

O senhor é fundador de um dos institutos de pesquisa mais antigos e tradicionais do país, a empresa Demanda. Fazendo um trocadilho com o nome de seu livro, repito a mesma pergunta: como é possível manter uma marca ativa, e bem sucedida, há mais de 50 anos?

Para manter uma empresa ativa por mais de 55 anos é necessário conquistar e manter clientes satisfeitos. Os professores ensinam isso nas classes de administração. Tudo começa com o cliente: alguém que aceita pagar pela sua mercadoria ou serviço, depois repete a compra e indica sua empresa para os amigos. E fica satisfeito por ter tomado a decisão de escolher sua marca.

Do seu lado, é necessário caprichar na entrega de um produto ou serviço que seja sempre de qualidade. O desejo do consumidor é cambiante, ele quer sempre obter algo melhor que na última compra. Clientes ajudam muito a melhorar seu serviço. Então, fique perto de clientes participando de associações profissionais, falando em conferências, participando de eventos em conjunto com clientes. Escute o que eles dizem. Uma empresa de pesquisas, como a Demanda, além de responder consultas de clientes por informações específicas de mercado, também deve se antecipar, identificar necessidades latentes e criar serviços de informações regulares que satisfaçam essas demandas. Trackings ou serviços regulares geram receitas regulares. Ao longo dos anos procuramos trabalhar com clientes de muitos setores, em vários mercados, várias geografias, recebendo, de preferência, em várias moedas. 

Quais foram os grandes acertos que possibilitaram a sobrevivência da Demanda, mediante as turbulências sociais, econômicas e históricas das últimas décadas?

Aprendemos a não concentrar as vendas em poucos e grandes clientes, pois se eles trocarem por outros fornecedores ou apenas atrasarem o pagamento das faturas estaremos encrencados. Em geral, os clientes de pesquisa são grandes empresas multinacionais e para atender esses clientes você precisa ter profissionais de bom nível, do mesmo perfil acadêmico que os profissionais que estão nos contratando.

Um acerto foi o de estabelecer, desde cedo, a integração entre nossos gerentes e os contratantes dos projetos. Não escondemos as dificuldades. Compartilhamos com o cliente a informação sobre o andamento do trabalho, desde o planejamento da amostra, o desenho de questionários, o andamento da coleta, o processamento e a apresentação do relatório. Depois de sofrermos alguns revezes adotamos um modelo conservador de negócios. Queremos trabalhar para empresas que valorizem a qualidade superior de trabalho e concordem em pagar mais por isso. O modelo de negócios de pesquisa por encomenda envolve o recebimento antecipado de até 50% do custo do projeto para custeio de viagens, pessoal de campo, a subcontratação em outros estados e até outros países. Esse fato ajuda a manter um caixa da empresa. As margens ocorrem com o pagamento da parcela final. Evitamos trabalhar para clientes que desejam pagar o total do trabalho em 60 e até 90 dias, depois da apresentação do relatório. Evitamos concorrer em licitações baseadas em menor preço. Aprendemos que concorrer por preço menor é a maneira mais fácil de quebrar empresas de serviços. Ao longo do tempo deixamos de ser apenas uma empresa de pesquisas por encomenda para fazer o desenvolvimento do marketing dos clientes através de consultoria, ou seja, depois da pesquisa recomendamos e acompanhamos ações que impactam positivamente os negócios dos clientes. Com o tempo também lançamos pesquisas regulares setoriais, entramos no setor de merchandising, depois telemarketing e outros desdobramentos do próprio trabalho. Essa expansão foi possível por que passei a lecionar em boas faculdades e tinha de estudar para dar as aulas, conviver com outros professores, aprender com outros clientes. É uma longa história de mais de 55 anos.

Fazendo uma autoanálise, quais decisões o senhor faria diferente em sua trajetória, tanto como profissional de pesquisa quanto como gestor da Demanda?

No Brasil tivemos muitas crises nos últimos 55 anos e, por várias vezes, precisei sacrificar meus ganhos, vender meu carro e pedir empréstimos bancários para pagar os salários do pessoal. O dilema do empresário brasileiro fica entre pagar salários ou os elevados impostos para trabalhar. Decidia deixar os impostos para outro momento. Em 2003, em um momento de grande expansão de vendas, estávamos instalados em São Paulo em uma casa magnífica, tínhamos uma filial em Nova York, muita gente empregada, uma enorme folha de pagamento e dezenas de projetos ativos em pesquisa e telemarketing. Usávamos o farto crédito bancário para manter a operação girando. Houve aquela crise internacional iniciada com o ataque às torres gêmeas em Nova York, os clientes desapareceram e eu quase pirei. Para encurtar a história, saímos de Nova York, deixamos a casa de 600 metros quadrados para nossos escritórios de 180 metros quadrados, fechamos a operação de central de telemarketing, reduzimos a folha e sobrevivemos. Levamos vários anos para pagar os empréstimos bancários contratados com juros exorbitantes e os impostos devidos parcelados. Fizemos grandes sacrifícios, pagamos os débitos e os tributos atrasados e estamos no azul há quase 20 anos. A dica que deixo é: jamais pegue empréstimos bancários e não atrase o pagamento de impostos. 

SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA

Em seu livro, o senhor apresenta um estudo de segmentação de mercado por personalidades. Pode explicar brevemente do que se trata? 

A Demanda foi contratada pela associação de bancos e seguradoras ANAPP para acompanhar o crescimento do investimento em previdência privada, além de identificar atitudes e motivações da população brasileira. Pesquisamos o tema de forma qualitativa e quantitativa por dois anos em várias ondas. Um resultado nos chamou atenção quando perguntávamos: ‘Com que idade você considera importante começar a poupar?’ Alguns respondiam ‘40 anos’, outros, 20 anos, e outros ainda ‘quando a criança ainda está no ventre materno’. Como a diferença de 40 para 20 anos corresponde a 240 contribuições mensais para um plano de previdência privada, ficamos intrigados e fomos conhecer o perfil demográfico dos respondentes que optavam por 40 ou 20 anos. Notamos que as respostas em uma ou outra direção não eram muito diferentes, independente do sexo, da renda disponível ou até mesmo a faixa de idade dos respondentes. Fomos atrás de respostas e chegamos a outras formas de segmentação não demográfica, até o entendimento das diferenças de personalidades.

A extensa literatura de psicologia do consumidor trouxe de volta o entendimento de que atitudes, estilos de vida, valores, percepções e personalidade poderiam influenciar bastante o comportamento do consumidor.

Por que filhos de mesmo pai e mesma mãe, criados na mesma família com o mesmo amor, possuem temperamento tão diferente? Um deles é mais cuidadoso com os compromissos, preocupado com horários, mais econômico com o dinheiro. Outro é mais descuidado, com suas roupas e objetos pessoais, é mais emotivo e está sempre em defesa de causas que considera importantes para o país. Um terceiro filho é mais introspectivo, tem mais habilidade para consertar coisas que quebram na casa, desmonta e monta brinquedos, mas também equipamentos. Gosta de ler sobre muitos temas, por vezes muito distantes do interesse dos pais. O fato é que a diferença entre os filhos é percebida desde muito cedo pelos pais. A mãe sabe, intuitivamente, como se relacionar com cada filho tendo em conta as diferenças de temperamento. Quando se fala na diferença de comportamento de consumidores pensa-se inicialmente em diferenças baseadas em variáveis demográficas, tais como o sexo, a idade, a renda, nível educacional, local de residência etc. É certo também que as diferenças de temperamento condicionam padrões de consumo diferentes.  

Em seu livro, o senhor fala sobre a metodologia “true colors”. Como ela funciona?

Ela segmenta as personalidades em quatro cores: dourada, azul, laranja e verde. Na de personalidades douradas, adotados palavras-chaves como organizado, disciplinado, controlador, detalhista e gosta de se sentir seguro. Tais características são estereótipos de profissionais como contador e gerentes de bancos, por exemplo. Utilizamos como persona o banqueiro Amador Aguiar.

Na personalidade de cor azul temos os emocionais, altruístas, criativos, intuitivos e orientados a causas sociais, voluntários, aqueles que ajudam e cooperam. Entre as profissões citamos os voluntários em geral, os professores e sacerdotes, como exemplo, e adotamos como referência a imagem ou persona da Madre Teresa de Calcutá.

Na sequência, temos os de cor laranja. São os negociadores, carismáticos, energéticos, empreendedores, aqueles que buscam por necessidade de mudanças, surpresas e oportunidades. São os empresários com vários interesses, e a persona seria o Bill Gates.

Por fim, na de cor verde, temos as pessoas conceituais, concentradas, intelectuais, visionárias e futuristas. Temos como referência os cientistas e pesquisadores, e como referência ou persona o físico Albert Einstein.

Na metodologia, os respondentes das pesquisas são solicitados a dizer se 1) concordam totalmente; 2) concordam em parte; 3) discordam em parte ou 4) discordam totalmente de cada frase. O tratamento estatístico das respostas permite o estabelecimento de segmentos de respondentes com similaridade de atitudes em relação aos temas.

Classifica-se um consumidor como dourado, por exemplo, se ele concordar com a maioria das frases a seguir:

-Tenho hábito de manter meu relógio adiantado para não me atrasar;

-Acho importante vestir-me de forma apropriada para cada ocasião;

-Gosto de classificar em alguma ordem meus livros e CD´s;

-Considero importante que a pessoa se distinga pelas roupas e objetos que usa;

-Minhas coisas estão sempre arrumadas no lugar certo;

-Planejo minhas viagens de férias com bastante tempo de antecedência;

-Reviso o saldo da minha conta bancária várias vezes por semana. 

De forma similar há frases que permitem agrupar tipos de pessoas nas cores laranja, azul e verde. O objetivo do estudo não é o de enquadrar todos os consumidores em um dos quatro segmentos. Mas sim utilizar o conhecimento desse instrumental, pesquisar a viabilidade de segmentar os consumidores em um número de segmentos que faça mais sentido para entendimento do comportamento do consumidor dos produtos e serviços que se está pesquisando.

O que mudou na profissão de pesquisador de mercado e de dados, com a expansão da tecnologia? E o que é preciso renovar ou mudar na profissão para se adequar aos novos tempos (atualidade)? 

Tudo mudou: o tempo de realização de uma pesquisa nacional passou de 2 meses para 1 ou 2 dias; o custo das pesquisas reduziu bastante; a qualidade, rapidez e facilidade de acesso a informações sobre dados secundários do mercado e de concorrentes melhorou muito. Os instrumentos de trabalho são totalmente outros, a forma de trabalho a partir de ambiente remoto em qualquer lugar do mundo, o fato de que cada consumidor é agente autônomo de disseminação de informações. 

Destaco, ainda, a percepção de que o mercado de cada empresa não se resume ao bairro ou a cidade, mas a quase todo o mundo, a construção de alianças e ecossistemas que barateiam o acesso a bens e serviços, o perfil dos consumidores que é mais diversificado e exigente. O uso de inteligência artificial também é uma realidade cada vez mais presente. 

Mais fácil responder sobre o que não mudou. A preocupação do pesquisador em captar de forma precisa os desejos e motivações do consumidor e transmiti-los na forma de insights úteis para seus clientes. Ainda hoje, mais que nunca, a coleta e análise de dados são uma opção profissional bastante interessante para os administradores. Toda empresa e organização tem que manter esses profissionais antenados para as mudanças.