Você é daquelas pessoas que pulam os anúncios exibidos antes dos vídeos do Youtube ou as aberturas das séries exibidas nas plataformas de streaming? Ou, quando vai ler um texto na web, logo dispersa movendo-se de um website para outro e/ou nas redes sociais? No trabalho, ao final do expediente, percebe que produziu pouco, mas sente-se extremamente cansado mentalmente?
Assim como você, outras milhares de pessoas, entre crianças, jovens e adultos, ao redor do mundo sofrem com a fragmentação da atenção. Para se ter ideia, o tempo médio de atenção atualmente é de oito segundos. Isso mesmo! Segundo estudo feito pela Microsoft, a sua concentração é menor que a de um peixinho-dourado.
Sabe de quem é a culpa? O seu estilo de vida! Quanto mais digital, menor a sua habilidade para focar em uma única atividade. A gente sabe que a tecnologia está mudando positivamente a vida das pessoas, mas não se enganem, pois o excesso dela também traz enormes prejuízos. E em meio a essa pandemia, então? Os meios tecnológicos facilitaram a nossa rotina de estudos e trabalho, diminuíram a distância entre as pessoas, favoreceram o surgimento de novos negócios, mas poucos têm coragem para apontar os males que eles também provocaram.
Pois bem, se você chegou até aqui sem se dispersar, aguente firme, respire fundo e siga conosco, pois esse papo vai render algumas boas linhas.
O neurocientista francês Michel Desmurget alerta, no seu livro “A fábrica de cretinos digitais”, sobre o perigo da superexposição de crianças a telas. Nós, adultos, ficamos encantados ao ver os pequenos usando, com desenvoltura, um smartphone. Contudo, as telas afetam tão negativamente o desenvolvimento dos cérebros na infância que entidades como Organização Mundial de Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria e Academia Americana de Pediatria são unânimes: é preciso evitar que os menores acessem esses meios digitais.
Muito antes dessas organizações emitirem esse alerta, um dos fundadores da Microsoft, Bill Gates; e o criador da Apple, Steve Jobs, já não permitiam que seus próprios filhos tivessem computador, tablets ou smartphones.E sabe por que? Porque eles sabiam que as telas iriam interferir na formação psico-cognitiva dos seus herdeiros.
Crianças e adolescentes expostos em demasia a telas têm, sim, dificuldades de concentração, baixa tolerância à frustração, probabilidade maior de desenvolverem transtornos mentais, entre outros. No livro, Desmurget alerta, ainda, que quanto maior o tempo de exposição à televisão, computadores e celulares, menor será o QI e o desenvolvimento cognitivo desse público.
Multitarefa?!
Todo mundo conhece alguém que se gaba de fazer muitas coisas ao mesmo tempo ou, sendo bem franco, talvez você seja essa pessoa que fala ao celular com o cliente, ao mesmo tempo que faz um pedido no restaurante e dá aquela conferida no feed do Instagram.
Ao fazer várias coisas ao mesmo tempo você acaba não executando nenhuma das tarefas com qualidade. Quem diz isso não sou eu, mas a neurociência. Ao sobrecarregar seu cérebro com tantas informações, ele gasta glicose e oxigênio. Ao final de um dia do profissional multitarefa, o corpo sente os efeitos desse esgotamento. O organismo libera cortisol, o hormônio do estresse.
O estresse, por sua vez, interfere na descarga de dopamina no organismo, hormônio que ajuda a manter os níveis de atenção altos. O cérebro fica viciado, buscando compensações e, numa espiral infinita, nossa atenção é sequestrada pelas notificações no celular, pelo anúncio no meio do vídeo, pelas dezenas de hiperlinks e, claro, pelo algoritmos que estão o tempo todo estudando nosso comportamento para, cada vez mais, nos prender a essa vida digital insalubre, irreal e enlouquecedora.
Ou seja, não é humanamente saudável querer abraçar o mundo e fazer muitas coisas ao mesmo tempo, ainda que o mercado e algumas organizações queiram fazer parecer que isso seja possível, levando seus colaboradores ao esgotamento físico e mental com tantas cobranças e metas. No fim, o que teremos de verdade é uma queda na produtividade, equipes doentes e profissionais desmotivados.
O que o futuro reserva?
Hoje, as organizações já sofrem com profissionais pouco qualificados, desatentos e dispersos. Agora, imagina como será a vida profissional dessa geração que nasceu na era dos smartphones? Que habilidades e competências elas desenvolverão uma vez que terão passado boa parte do tempo de suas vidas na frente de uma tela?
Vários estudos mostram que o uso compulsivo de tecnologias afeta, diretamente, a criatividade, limita as relações interpessoais e causa dependência.
Segundo o psicólogo espanhol, Marc Masip, o vício em tecnologia é tão danoso quanto as drogas. Para ele, o celular é a heroína do século 21.
Se você não acredita no alto nível de dependência, basta ver a euforia mundial quando o Whatsapp, Facebook e Instagram ficaram fora do ar no início deste mês. Muitas empresas pararam, algumas pessoas relataram que ficaram inquietas, tiveram crises de ansiedade.
É hora de agir
Se você chegou até aqui sem dispersar, meus parabéns! Ter atenção é, sem dúvida, umas das soft skills mais valorizadas no mercado de trabalho. Pessoas focadas produzem mais, executam tarefas com mais qualidade e são mais organizadas Mas, e agora, o que podemos fazer? Temos que tirar as crianças e jovens da frente das telas para, que no futuro, possamos contar com equipes mais criativas, profissionais focados, atentos, questionadores e transformadores.
E quanto a nós, adultos? Comecemos a ter bom senso no uso de tecnologia e, enquanto gestores, é preciso estimular nossos colaboradores a buscar um estilo de vida que os leve a esse resgate da atenção, do senso crítico e das capacidades cognitivas. Como? Comece desligando os dispositivos que não estejam em uso e desative as notificações. Realize atividades físicas aeróbicas, pois elas ajudam a oxigenar o cérebro e a melhorar a atenção e tente dormir, no mínimo, oito horas.
Ah, mas esse é o “novo normal”, vão dizer alguns. Eu chamo de anormal uma realidade que distancia das relações interpessoais, nos adoece, fragmenta nossa atenção e nos transforma em profissionais medíocres.
Não é isso que queremos para as organizações e para o futuro dos profissionais de administração. Contudo, se você não parar para repensar essa nova realidade, então esteja disposto para ser o CEO dos “cretinos digitais”.
Adm. Mauro Kreuz
Presidente do Conselho Federal de Administração