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Brasil: uma rica nação, porém com muitos miseráveis

No primeiro trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil chegou a US$ 1,83 trilhão. O levantamento feito pela Austin Rating mostrou que o país superou potências como a Rússia, a Coreia do Sul e a Austrália e, consequentemente, voltou a integrar o top 10 das maiores economias do mundo.

Apesar do bom resultado, o Brasil ocupa o 84º lugar no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O índice mede a saúde, a educação e o padrão de vida dos países, mas na sua última edição não levou em consideração o impacto causado pela pandemia do coronavírus. O relatório foi feito com 189 países pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), da Organização das Nações Unidas.

Os números mostram um fato curioso: o Brasil é um país paradoxal. Apesar do potencial em riqueza estratégica, somos um dos líderes em pobreza social. De quem é a culpa? Não é tão simples achar a raíz do problema. Quando olhamos para o retrovisor da nossa história, vamos encontrar uma série de acontecimentos e decisões infelizes que culminaram no atual cenário desastroso e desesperador.

Hoje somos uma fábrica de miseráveis e, com a pandemia, isso piorou drasticamente. Em 2021, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que 27 milhões de pessoas – 12,8% da população brasileira – viviam, até então, abaixo da linha da pobreza. O desemprego e a falta de políticas públicas foram apontados pelos pesquisadores como as razões que levaram o país ao pior cenário da pobreza dos últimos dez anos.

É alarmante, ainda, saber que mais de 60 milhões de brasileiros enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar. O relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) analisou dados do Brasil do período de 2019 a 2021 e revelam uma triste situação: cada vez mais aumenta o número de famílias que precisam lutar contra a fome no país que é considerado o celeiro do mundo.

Sim, o Brasil é rico na produção de grãos e responsável por exportar alimento para muitos países mas, internamente, os brasileiros estão padecendo por falta de comida no prato. Sem dúvidas, a pandemia piorou esse cenário. Segundo o IBGE, no ano passado 106 milhões de brasileiros sobreviveram com R$ 13,83 por dia. O empobrecimento da população afetou, sobretudo, aqueles que já sofriam com a queda de renda. 

E não paramos por aí: do ponto de vista cultural e intelectual, também deixamos muito a desejar. Nossa educação patina há anos nos piores índices de qualidade. No último levantamento do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil teve um péssimo desempenho: ficou em 54ª posição.

O exame, feito com estudantes de 15 anos, mostra que o país fabrica analfabetos funcionais em larga escala. Esses jovens saem do ensino básico obrigatório sem capacidade para interpretar e redigir um texto argumentativo e sem dominar as operações básicas de matemática.

Pior ainda é constatar que essas deficiências não são fáceis de serem corrigidas ao longo do tempo. A maioria, quando alcança o ensino superior, enfrenta profundas dificuldades. Para se ter ideia do gargalo, 38% dos alunos não dominam a leitura e a escrita. Os dados fazem parte do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf).

Na hora de tentar uma vaga de estágio, 80% dos candidatos são eliminados nos processos seletivos por notas baixas nas provas de Português. Entre os universitários, os mais reprovados foram os dos cursos de Direito, Letras e Administração.

Talvez isso explique o fato de que a qualidade dos cursos de Administração esteja, ainda, aquém do que desejamos. Somos, historicamente, o curso mais procurado pelos estudantes que acessam o ensino superior. Todavia, a qualidade ainda é baixa. Existem ilhas de excelência, que servem de exemplo, mas são poucas. Na média, a qualidade formativa dos egressos é preocupante e isso reflete, diretamente, no mercado de trabalho.

Resultado: sem educação de qualidade, sem mão de obra qualificada. De cada dez demandas no mercado de trabalho por profissionais, sete são na área da Administração. Curiosamente, essas vagas não são preenchidas e não é por falta de candidato, é porque eles não reúnem as competências profissionais para ocupar esses espaços.

Essa é apenas uma das consequências das péssimas gestões pelas quais o Brasil tem passado. Somos, infelizmente, um belo exemplo mundial de não administração. Nossa profissão, mesmo após a regulamentação, em 9 de setembro de 1965, é negligenciada o tempo todo.

A ingerência está presente não só na área da educação, mas também na saúde, segurança, logística, economia, entre outros. É por isso que defendo, há tanto tempo, a urgência de o país ter um projeto estratégico de nação. Por que não fazer isso por meio da Ciência da Administração? Nossa profissão tem condições de romper com essa inércia e ajudar o país a crescer e a ocupar seu lugar na geopolítica.

Melhor ainda: não tenho a menor dúvida de que a Ciência da Administração, aliada à boa governança, tem a capacidade de impedir que interesses partidários e de poder sejam colocados acima dos interesses públicos que, além de promoverem a descontinuidade de projetos, são prato cheio para a corrupção.

Comecemos, portanto, pela educação básica, área que está em extrema vulnerabilidade há anos. Gosto de citar o caso de Sobral, município cearense que tem uma história incrível de superação e que tornou-se case de sucesso divulgado internacionalmente pelo Banco Mundial.

Sobral sempre esteve, até 2005, nos piores lugares no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Dez anos depois, teve um salto qualitativo surpreendente e passou a ocupar o primeiro lugar entre os 5.570 municípios brasileiros. De acordo com o relatório do Banco Mundial, “os resultados alcançados por Sobral derivam de sua capacidade de convergir todo o sistema educacional para a aprendizagem e da decisão de manter a política partidária longe das escolas. O sucesso não deriva de uma solução milagrosa, mas sim de um conjunto de ações estruturadas que se reforçam mutuamente, com o objetivo de garantir que todos os alunos da rede municipal concluam a educação básica na idade certa e com aprendizado adequado”.

A transformação de Sobral alcançou todo o estado do Ceará, mas eu acredito que é possível aplicar esse case em todos os municípios brasileiros. “Sobralizar” a educação básica pode ser o primeiro passo rumo ao futuro que desejamos.

No ensino superior, nossa esperança é de que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Administração sejam, de fato, aplicadas pelas IES e, assim, inaugurar um novo tempo no ensino da Administração. É tudo uma questão de gestão, decisão, vontade e determinação para mudar o mindset, assim como aconteceu em Sobral.

Não custa lembrar que um país mal educado terá, certamente, índices de criminalidade elevados, gastos maiores com saúde, problemas com atos de improbidade administrativa, além de uma economia asfixiada gerando milhares de miseráveis.

No ano da festa democrática, que tenhamos propostas de um plano estratégico de nação com base na Ciência da Administração pois, sem dúvida, o custo do cuidado é sempre menor do que o custo do reparo.




Adm. Mauro Kreuz

Presidente do Conselho Federal de Administração