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A culpa é de quem?

43 potenciais agentes fiscalizadores, 24.092 barragens no país e apenas 3% efetivamente fiscalizadas em 2017. Tragédia anunciada?

Passaram menos de dois meses desde que o mundo viu atônito a enxurrada de lama, decorrente de um dos maiores acidentes com barragens de mineração no mundo, que varreu a região de Brumadinho, em Minas Gerais. O incidente deixou centenas de mortos e desaparecidos, sem falar no estrondoso dano ambiental causado.

Brumadinho não foi o primeiro município mineiro a amargar esse tipo de desgraça. Há dois anos, a cidade de Mariana já figurava nas manchetes como vítima da incongruência em atividades de mineração no país. Até o momento, há poucas respostas que expliquem o que de fato aconteceu ou deixou de acontecer para que tragédias desta magnitude ocorressem.

Analisando o cenário das barragens do país, é possível começar a compreender melhor como tragédias desta proporção ocorrem no Brasil. De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens 2017, consolidado pela Agência Nacional de Águas (ANA) com informações encaminhadas pelos 43 agentes fiscalizadores do país, o Brasil possui 24.092 barragens de diferentes tipos: acúmulo de água, de rejeitos de minérios ou industriais e para geração de energia.

Para complicar ainda mais, o país tem 43 potenciais agentes fiscalizadores, dos quais quatro são federais e 39 estaduais. Ainda de acordo com o relatório, em 2017, 31 órgãos atuavam efetivamente como fiscalizadores por terem instalado sob sua jurisdição empreendimentos com as características especificadas pela Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

É neste ponto que se chega a um dos números mais alarmantes: apenas 3% do total de barragens cadastradas foram vistoriadas pelos órgãos fiscalizadores em 2017. E mais: não há nenhum ato de autorização, outorga ou licenciamento em 42% das barragens do país e em 76% dos casos não está definido se a barragem é ou não submetida à PNSB por falta de informação.

O resultado direto disso são os acidentes. O relatório da ANA aponta que, em sete anos, o Brasil teve 24 acidentes e 52 incidentes, com 31 mortos e diversos impactos ambientais e sociais – desconsiderando o caso de Brumadinho, ocorrido após a publicação do documento. No entanto, os números não são definitivos: segundo a Agência, muitas ocorrências não são reportadas.

Sérgio Medici Eston, professor de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo (USP), critica o modelo confuso de fiscalização adotado no Brasil. Para ele, o ideal seria que apenas um órgão fiscalizasse estas barragens no país, com mais aporte financeiro e qualificação dos técnicos. “Hoje, além de termos muita gente responsável por fiscalizar, e que no fim das contas ninguém acaba fazendo o serviço direito, temos grupos ineficientes, com pessoas pouco qualificadas, pouca verba, o que torna o serviço ainda mais precário”, critica.

Em resumo, a fiscalização dos barramentos de geração hidrelétrica é feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); as barragens de rejeito de minério são fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM); e a fiscalização das barragens de usos múltiplos da água em corpos hídricos de domínio da União – interestaduais e transfronteiriços – é feita pela Agência Nacional de Águas (ANA). Além disso, os órgãos estaduais são responsáveis pela fiscalização de barragens de usos múltiplos da água em rios estaduais. Assim, o nó está feito.

José Balbino Figueiredo, vice-presidente da regional Vale do Jequitinhonha da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemig) e presidente do Sindicato das Industrias de Rochas Ornamentais do Estado de Minas também critica a confusão quando o assunto é fiscalizar barragens. Para ele, a saída é definir papéis, e não culpar a atividade em si. “É preciso repensar modelos, para permitir que as mineradoras continuem atuando na região, com mais segurança e responsabilidade”, disse.

“Quem cuida das barragens no Brasil? É a Agência Nacional de Mineração? Ou quem? Nós estamos vendo uma cobrança muito grande da população, mas principalmente dos meios de comunicação e do Ministério Público com relação à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, que deveria ter barrado as licenças. Mas quem é responsável pelo que? Hoje é tudo muito confuso: licenciamento ambiental é atribuição do estado; construção de barragens é com a União. É preciso deixar tudo claro, definir bem os papeis”, argumenta Figueiredo.

Futuro – Em busca de uma solução, o governo federal está tentando capacitar mais servidores para ampliar a fiscalização de barragens no Brasil. O Ministério do Desenvolvimento Regional em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) está promovendo Programa de Capacitação em Segurança de Barragens. De acordo com Paulo Marques, diretor de Educação Continuada da ENAP, o principal objetivo do curso é robustecer a força de trabalho nas agências reguladoras que fiscalizam as barragens.

“As técnicas de gestão são muito importantes quando pensamos na inspeção das barragens. Se não houver um sistema permanente de fiscalização, que os próprios gestores destas empresas deveriam implementar, fica complicado antever situações desta natureza˜, explicou. “E, do outro lado, o governo está capacitando mais pessoas para ampliar a fiscalização no país”, explica o diretor da ENAP.

Mesmo que tardia, a ação é bastante necessária. De acordo com World Mine Tailings Failures (WMTF), organização norte-americana sem fins lucrativos que rastreia todas as falhas registradas nas instalações de armazenamento de rejeitos, o incidente em Brumadinho foi a mais séria falha em barragens de rejeitos na última década em todo o mundo.

Ainda segundo a WMTF, de 1908 a 2017, foram identificadas ao menos 119 falhas consideradas graves e muito graves em barragens no mundo. E no decorrer das décadas, os acidentes têm ficado mais comuns. Entre 1998 e 2007 foram 19 casos. De 2008 a 2017, 27 acidentes.

Para a ONG norte-americana, o que mais assusta é esta escalada nos números. Técnicos da entidade apontam que, caso não haja mudança na legislação e regulamentação do setor, além de mudanças nas práticas da indústria, a expectativa é que ocorram pelo menos 19 falhas muito graves entre 2018 e 2027.

Fonte: Revista RBA – Edição 128

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